CRN Brasil | 18 de abril de 2013
“Nunca antes na história deste País”, célebre frase proferida por Luiz Inácio Lula da Silva, tornou-se um jargão queridinho dos brasileiros para designar um momento único dos dias atuais, sejam eles bons ou ruins – embora a segunda hipótese tenha preferência. Agora, é a vez da cadeia fornecedora de tecnologia pegar emprestadas as palavras do ex-presidente, pois “nunca antes” na história deste País o setor de TI viveu um cenário tributário tão complexo.
Em vigor desde janeiro de 2013, a Resolução do Senado Federal nº 13/2012 é a origem dos mais novos problemas que causam dor de cabeça, febre e cansaço aos empresários do segmento. A Resolução 13, como ficou conhecida, veio para coibir a conhecida guerra dos portos – fomentada por incentivos garantidos por alguns estados para ingresso de mercadorias no País – e unificou a alíquota de 4% de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para operações interestaduais que envolvam produtos com conteúdo de importação acima de 40.
“A Resolução 13 foi editada em abril de 2012, porém, foi regulamentada apenas no final do ano, o que trouxe muito desconhecimento em relação à sua aplicação”, explica Halim José Abud Neto, advogado tributarista da Abradist (Associação Brasileira dos Distribuidores de Tecnologia da Informação). Isso quer dizer que o pouco tempo dado às empresas para assimilar as mudanças, o que exige adaptação de sistemas, pessoas e até mesmo plano de negócios, não condiz com a complexidade imposta pelos novos marcos regulatórios.
Suponha que um distribuidor do Espírito Santo fature uma venda para uma revenda de São Paulo, aplicando a alíquota de 4% de ICMS para operações interestaduais. Quando essa mercadoria chegar em terras paulistas, o canal precisa verificar se existe a obrigatoriedade de substituição tributária* e, em caso positivo, realizar o acerto. Assim, a companhia pode repassar o produto ao cliente final a ICMS 0%.
Considere, agora, um revendedor com filial em Curitiba, Paraná, que faz o faturamento para um cliente em São Paulo. Em primeiro lugar, ele deve checar se a companhia possui inscrição estadual – o que vai determinar se a venda se enquadra ou não à alíquota de 4%. Depois, considerar todas as variáveis que definirão o ICMS e, por consequência, o preço de venda: qual é o estado de origem do faturamento? Para qual estado o produto será faturado? A mercadoria é classificada como nacional ou importada? Qual é a alternativa mais vantajosa para o cliente?
Estas são as novas perguntas que Renato Carneiro, presidente da 2S Inovações Tecnológicas, passou a fazer para prever e calcular os novos cenários. “A complexidade da venda aumenta por causa do imposto. E o pior é que a confusão já chegou ao cliente final”, alerta o executivo. Segundo ele, a maioria das empresas não conhece a sua responsabilidade de pagar o ICMS complementar do produto para operações interestaduais. “O cliente me pergunta por que o meu preço está maior do que o do meu concorrente. E tenho de explicar que, mesmo parecendo um valor maior, a minha proposta é de menor custo”, exemplifica.
Além de justificar as novas perguntas e mostrar o caminho mais vantajoso ao comprador, Carneiro agora tem de ensinar ao seu cliente uma situação inédita: por que o preço muda se, no meio do processo da venda, ele resolve optar pelo leasing? A resposta é simples, mas perturbadora: o canal deve faturar o banco, que por sua vez não possui inscrição estadual, por isso o valor da venda aumenta.
“A movimentação interestadual está ficando inviável por conta do monte de tributos que se paga até chegar ao usuário. Para empurrar o problema, muitas empresas estão abrindo filial em outros estados, assim podem faturar direto o cliente sem se preocupar com substituição tributária”, aponta Carneiro, que questiona: “E agora? Todo o mundo vai para todos os estados para facilitar a venda?”. Isso quer dizer que a interferência da questão tributária no plano de negócios de uma organização é maior do que nunca.
“Um único erro de cenário pode mudar o que a empresa programou em sistema e travar a operação. Se o canal não fatura, o distribuidor fica em estoque. Se o distribuidor não fatura, a revenda não pode comprar. E agora? Esse é o pior cenário e pode afetar qualquer elo da cadeia”, especula Bruno Coelho, gerente de marketing da Agis. Ele afirma que a estratégia da companhia não sofreu alteração por conta da nova resolução, porém, a grande mudança ocorreu na esfera operacional, com aumento do esforço em preparar a distribuidora para as novas possibilidades.
Competitividade
Outro aspecto da Resolução 13 que tem influenciado a estratégia das empresas do setor está relacionado aos esforços de promoção da competitividade da mercadoria nacional. Esta realidade deverá reverter radicalmente a ênfase dos negócios, por exemplo, na paranaense Aldo, que deve encerrar 2013 com 70% das vendas atribuídas a produtos locais – nos últimos anos, a distribuidora vem contabilizando essa participação em 40%. Para isso, firmou alianças com AOC e LG e, de outro lado, encerrou a parceria com Acer para importação de netbooks, ultrabooks e monitores.
Nas contas do diretor-presidente da companhia, Aldo Teixeira, o produto importado ficou entre 20% e 25% mais caro, por conta da diferença de alíquota e porque os estados já aplicaram uma nova MVA (margens de valor agregado por produto)** que será utilizada nas operações interestaduais com alíquota de 4%. “Isso inviabiliza os produtos que têm similar no mercado nacional e vai de encontro com a geração de empregos dentro do nosso País”, opina o executivo, que avisa: “As empresas mais lentas pagarão por isso, pois nós vendemos commodity pura e as duas âncoras para essa atividade são logística e tributo.”
Para os players da distribuição, as implicações relacionadas à posição geográfica e origem dos produtos que comercializam também são verdadeiras. Teixeira chama a atenção para um movimento similar à corrida dos revendedores para estabelecer novas filiais: “Assim como os distribuidores criaram diversos centros de distribuição para fugir da substituição tributária, agora eles terão CDs para importar dentro do estado e fugir da guerra dos 4%? É uma coisa insana, mas tecnicamente seria isso.”
*Substituição tributária é um mecanismo de arrecadação de tributos que atribui ao contribuinte a responsabilidade pelo pagamento do imposto devido pelo seu cliente. A substituição será recolhida pelo contribuinte e posteriormente repassada ao governo. A nota fiscal deve destacar quanto do valor pago pelo cliente corresponde ao ICMS recolhido. Esse procedimento é conhecido como ICMS- ST
** A MVA ajustada é uma consequência da Resolução 13 e busca equalizar o montante do imposto e o preço final do produto adquirido internamente com o preço de fornecedores de outros estados. Na nova fórmula, junto com o cálculo da substituição tributária, o preço de venda ficou maior, pois o ICMS aumentou.