THAIS BILENKY
DE NOVA YORK
Se não corrigir a trajetória de crescimento da dívida pública, o Brasil caminhará para “o colapso, a tributação punitiva ou a inflação”, afirma o economista Paulo Vieira da Cunha, 67.
Com a capacidade de financiamento “esgotada”, o Estado precisa, “muito mais” do que aumentar impostos, cortar gastos, diz o ex-diretor do Banco Central.
Sediado em Nova York, Cunha atua como economista-chefe do fundo de investimentos ICE Canyon, que administra US$ 2,9 bilhões em ativos, especialmente em mercados emergentes.
Para ele, o país perdeu a credibilidade antes de ser rebaixado a grau especulativo pela agência Standard & Poor’s, mas com o “dirigismo pesado” do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff.
Leia a seguir a entrevista, concedida por e-mail.
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O país perdeu credibilidade ao ser rebaixado a grau especulativo pela S&P?
O Brasil é importante, mas não é assim assunto de primeira página… A credibilidade se perdeu antes. Foi corroída aos poucos a partir do que foi feito para a primeira eleição da Dilma; os exageros da chamada “política anticíclica”, que pouco tinha de cíclica já naquela época; dos erros de diagnóstico; do acúmulo da ineficiência; do voluntarismo com a volta do dirigismo pesado; do protecionismo mal pensado; no desastre da reeleição e do início da Dilma-2.
Qual é o efeito a curto prazo?
No curto prazo, afora a maior volatilidade já vivida, é pequeno. O mercado esperava algo, embora não tão rapidamente.
E a médio e longo prazos?
Aí está o problema. A hipótese de trabalho é que outra agência de rating fará o downgrade brevemente.
Isso significa que, além dos papeis da Petrobras, que já estão migrando do IG [grau de investimento] para HY [high-yield bond, correspondente a grau especulativo], também os papéis soberanos verão a migração forçada por uma parte importante dos investidores institucionais externos que têm mandatos atrelados unicamente a papéis IG (como os grandes fundos de pensão).
O efeito será aumentar a taxa de juros paga pelo Tesouro, quando a taxa efetiva já beira os 20% por ano e o custo dos juros chega a mais de 8% do PIB.
Pior, a perda pelo soberano se estenderá para muitas empresas, menos aquelas que já estão dolarizadas, o que elevará seu custo de captação. Ou seja, quando, em dois ou três anos, o investimento voltar ao Brasil, vai ser mais difícil e mais custoso financiá-lo —a menos que aconteça um milagre e o quadro fiscal se reverta radicalmente.
A recuperação de empresas e bancos, além de Petrobras, que também foram rebaixados a grau especulativo tomará o mesmo tempo que a do país?
Para os papéis atrelados umbilicalmente ao soberano, como as empresas e bancos públicos, sim.
Em princípio, empresas com poucas dívidas, especialmente denominadas em moedas estrangeiras e que passem a exportar uma parcela importante da sua produção (logo, com crescentes rendas em moeda estrangeira) poderão fazer a migração de volta mais rapidamente.
Que mudança esperar no perfil de investimento?
Como o país poupa pouco, haverá menos investimento. Haverá um número maior de projetos viáveis (com taxas de juros menores) frustrados.
Aqueles cujos perfis não os qualificam para IG terão que pagar taxas de juros maiores, ou seus projetos serão analisados com taxas mínimas internas de retorno maiores, o que pode inviabilizar o investimento. Tanto faz se o financiamento é doméstico ou estrangeiro, se a empresa é pública ou privada.
Que tipo de medida deveria ser tomada para reverter o quadro?
A solução é reverter o quadro fiscal. A raiz do problema é que a dívida pública está numa trajetória contínua de crescimento. Não é sustentável. Sem correção, a expectativa eventual é o colapso, a tributação punitiva ou a inflação. Qualquer tentativa de romper o ciclo via aumento dos investimentos pelos bancos públicos seria frustrada.
O Estado já não tem espaço fiscal; sua capacidade de financiamento está esgotada. Primeiro é preciso recriá-la, via reformas fiscais, e, aí sim, pensar em como usá-la.
Que reforma fiscal é recomendável?
Dada a evolução provável da relação dívida/PIB, será preciso transitar para um regime que gere sistematicamente superavit primários em torno de 2% a 3% do PIB.
No meio tempo, o ajuste deveria enfatizar medidas de corte de gasto muito mais do que aumentos de tributos, como proposto [na segunda (14), o governo defendeu pacote que inclui recriação da CPMF e redução do IOF].
Na parte tributária, a ênfase deveria ser a simplificação do regime, aumento da eficiência e redução do gasto tributário. Nesse sentido, o que o ministro Joaquim Levy (Fazenda) está tratando de fazer com o ICMS [unificar a alíquota], depois de mais de duas décadas de discussão, e com [a simplificação do] PIS/Cofins é realmente admirável. De outro lado, seria necessário inevitavelmente mexer na Previdência e nas regras de aposentadoria.
O descontrole da inflação está no horizonte? A elevação de juros deixará de ser um instrumento de controle?
Ainda não. Vai depender da capacidade do governo de enfrentar a crise fiscal. A questão da dominância fiscal sobre a política monetária é crescente, mas, no momento, mais importante para o BC do que aumentar mais os juros é deixar claro que não vai cortá-los até que a inflação observada, e não a projetada por seus modelos, esteja perto do centro da meta.
A credibilidade dos seus exercícios de projeção da inflação está em dúvida. No meio tempo, a política fiscal terá que carregar o ônus da política monetária –e fazer um ajuste correspondentemente maior.
O senhor defende aumento dos juros nos EUA?
Muito embora amplamente esperado, o aumento dos juros pelo Federal Reserve (BC americano), depois de um hiato tão longo com taxas tão baixas terá, sim, impacto. É inevitável e, mesmo assim, eu sou favorável. O
efeito internacional dependerá mais do que acontecer com a taxa de 10 anos.
Muitos apostam em um “flattening” da curva —algo como o “conundrum” [enigma] da época Greenspan [presidente do Fed entre 1987 e 2006], quando o Fed subia sua taxa, mas a taxa de 10 anos não se mexia. Não sei, não estou certo.
É fato que tanto o BC europeu como o do Japão continuam com programas quantitativos de estímulo.
O efeito é deslocar suas curvas de juros para baixo e, portanto, tornar mais atrativos os investimentos em US-TSY [ativo do Tesouro americano], especialmente quando a perspectiva é que o hiato de juros entre moedas aumente. Na margem, esse movimento deslocaria a curva dos US-TSY para baixo notadamente num período quando o deficit fiscal dos EUA está diminuindo rapidamente e, portanto, também a colocação de novo papel.
Também há sinais de que, nos EUA, a taxa de crescimento potencial caiu e que, portanto, a taxa de poupança “de equilíbrio” seria menor, o que se traduziria numa maior oferta relativa de poupança financeira, logo, taxas longas menores.
Que efeito traria para o Brasil?
Da parte da China, Coreia do Sul, Brasil, Índia, países exportadores de petróleo etc., parece ser que o período de acumulação forte de reservas terminou e pode estar se revertendo –provocando alguma desova no mercado de US-TSY e puxando a curva para cima, isto é, taxas maiores.
Enfim, há muitas incógnitas. Mas, no frigir dos ovos, para o Brasil, no momento, seria melhor que o Fed esperasse até dezembro, ou 2016…
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- RAIO-XPAULO V. DA CUNHA
Idade: 67 anos
Formação: doutor em economia pela Universidade da Califórnia em Berkeley
Carreira:
> economista-chefe no fundo americano de investimentos ICE Canyon
> diretor da Câmara de Comércio Brasil-EUA
> ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central (2006-2008)
> tem passagens pelo Banco Mundial, Lehman Brothers e HSBC
Fonte: Folha