A perspectiva de uso de moedas locais nas negociações entre os países dos Brics, pleito de empresários brasileiros, parece pouco promissora, pelo menos no curto prazo. O comércio e a utilização internacional de divisas se dão predominantemente em dólares e, em menor medida, em euros. Moedas negociadas em grandes volumes, em mercados financeiros profundos, que sejam plenamente conversíveis, são as que dominam as transações internacionais, tendo a preferência das empresas.
Entre as divisas dos cinco Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o yuan é a única que tem potencial para assumir um papel de grande destaque no mercado global, dizem analistas. No entanto, observam eles, isso requer a liberalização da conta de capitais do país, algo já em curso, mas a um ritmo muito gradual.
Consultor-sênior para os Brics do Banco Mundial, Otaviano Canuto diz que os agentes privados preferem compensar as transações em divisas que funcionem como reserva de valor e permitam a realização de outros negócios. É fundamental um mercado secundário muito líquido, afirma ele. Se a empresa decide guardar os recursos numa determinada moeda não sob a forma de depósitos de curto prazo, é importante que, caso precise ou deseje, possa trocá-los imediatamente por recursos à vista. É uma característica evidente do dólar. É necessário uma confiança muito grande para que a moeda seja reserva de valor e tenha grande liquidez, reforça Canuto.
Os números do comércio exterior entre Brasil e Argentina realizados pelo Sistema de Pagamentos em Moeda Local (SML), lançado em outubro de 2008, dão uma medida de como o uso de outras divisas tende a caminhar lentamente. Segundo dados do Banco Central (BC), no primeiro semestre deste ano, as exportações brasileiras para o país vizinho pelo SML totalizaram R$ 1,08 bilhão, o equivalente a US$ 487 milhões, com base no fechamento de ontem do dólar.
Para comparar, as vendas externas do Brasil para a Argentina ficaram em US$ 7,4 bilhões de janeiro a junho. Mesmo no caso de um país próximo, que faz parte do Mercosul, o grosso do comércio exterior não é feito em moeda local, ainda que o sistema exista há quase seis anos. Nesta semana, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) defendeu o uso de moeda local nas transações entre os Brics, para reduzir custos.
A economista-sênior do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), Zeynep Elif Aksoy, também destaca a necessidade de mercados profundos, com grande volume de negociação, para que uma moeda ganhe terreno no cenário internacional. Quando um exportador recebe os recursos, é preciso que haja facilidade para convertê-los em outra moeda. Com o dólar e o euro, não há nenhum problema.
Números do Banco das Compensações Internacionais (BIS, uma espécie de BC dos BCs) mostram que o dólar continua a dominar as negociações diárias de moeda no mundo. Em abril de 2013, a fatia da moeda americana no mercado global de câmbio era de 87%, à frente dos 33,4% do euro e dos 23% do iene. Como toda negociação envolve duas moedas, o total soma 200%. O yuan aparece em nono lugar do ranking (2,2%).
Esse número mostra como a trajetória para ser uma moeda negociada internacionalmente é longo. A China já responde por cerca de 12% dos fluxos comerciais globais, mas a parcela das transações feitas em yuan é muito inferior ao que sugere o peso do país no comércio mundial. Para que ganhe status de uma moeda de grande peso no cenário internacional, será necessário que a China liberalize a sua conta de capitais, diz Canuto. O país se move nessa direção, mas faz a abertura de modo gradual e cauteloso.
Fonte: Valor Econômico