Diante de um cenário movido por interesses diversos, os Estados brasileiros vivem uma guerra fiscal onde os reflexos são sentidos mais intensamente pela população do País, que precisa pagar impostos e não sente o retorno que deveria. Nos últimos meses, manobras como a redução do IPI (Imposto sobre produtos Industrializados) para carros e dos tributos cobrados na cesta básica foram tomados pelo Governo Federal, mas todas essas medidas requerem um estudo para saber de onde se poderá cobrar mais e onde se pode cobrar menos para garantir o equilíbrio na arrecadação.
Em entrevista aos repórteres do DIÁRIO Denilson d’Almeida e Luiz Flávio, o professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) José Eduardo Soares de Melo explica os fatores que provocam a batalha fiscal entre os Estados, que não querem abrir mão de suas arrecadações.
Advogado formado pela Universidade de São Paulo (USP) e consultor de empresas, Melo é mestre e doutor em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), além de membro do Conselho de Estudos de Finanças e Tributação da Associação Comercial do Estado de São Paulo. Confira:
P: Por que se fala em guerra fiscal entre os Estados brasileiros?
R: A expressão “guerra fiscal” ocorre pelo seguinte: Os Estados, de acordo com a legislação, só poderiam conceder incentivos fiscais de diversificada natureza quando houvesse um convênio de todos os secretários de Fazenda dos Estados. E isso vinha ocorrendo. Por exemplo, se vai haver uma isenção para o táxi a álcool, então todos os Estados têm que se reunir e conceder essa isenção. De uns tempos para cá, cerca de dez anos para cá, os Estados viram que essa unanimidade é difícil, então passaram isoladamente, de forma unilateral, a conceder os incentivos. A indústria automobilística Ford vai para a Bahia porque o governador concede incentivos sem ouvir os outros Estados, e estes que se sentem prejudicados recorrem ao judiciário ou começam a fazer uma retaliação com relação às empresas que estão lá estabelecidas. Então, a expressão “guerra fiscal” é um litigio, uma briga que existe, entre os Estados porque, eu diria, em quase todos eles, em muitos casos dão os incentivos sem ouvir os demais Estados.
P: Isto se enquadra na briga pelos royalties do petróleo entre os Estados produtores e não produtores?
R: Esta questão não é necessariamente da guerra fiscal que existe entre os Estados brasileiros há 10 ou 15 anos. A nossa Constituição estabelece que quando se encontra petróleo em alto-mar, o município no qual aquela área pertence recebe um benefício muito maior. O que se tentou fazer, e ainda se tenta, é mudar isso: todos os municípios receberem os mesmos benefícios. No fundo é uma guerra entre os Estados, mas que não está necessariamente ligada aos incentivos fiscais.
P: O que contribui para esta briga política de incentivos entre os Estados? São jogadas políticas ou as diferenças entre as regiões?
R: O nosso país é muito complexo. Temos a Zona Franca de Manaus (AM), que oferece alguns incentivos, e temos os Estados da Região Sul, que estão mais industrializados e que apresentam outros incentivos. A produção da Castanha do Pará, por exemplo, não tem muito a ver com as atividades industriais do Sul. Então, no estado produtor há interesses que não existem na Região Sul. O Estado de São Paulo sempre combateu a guerra fiscal, mas de um tempo para cá começou a combater os incentivos. O mais prejudicado é contribuinte.
P: A presidente Dilma reduziu os impostos sobre a cesta básica, mas os consumidores ainda não sentiram a diferença no bolso. Até que ponto essa redução existe e é benéfica?
R: Quando alguém vende um produto, você tem no preço dele alguns tributos como o IPI [Imposto sobre Produtos Industrializados]. Então, na medida em que o governo diminui ou reduz a zero, isso deve ser refletido no preço. Em breve, será obrigatório que esteja discriminado na nota fiscal os encargos e tributos que o consumidor está pagando. Então, com esta relação o consumidor saberá onde ele está pagando menos ou não.
P: É verdade que o brasileiro paga mais impostos que deveria, ou o que ele não recebe o retorno que deveria por estes tributos?
R: A carga tributária no Brasil é muito elevada. As vezes você tem um tributo federal alto porque lá na Constituição se prevê isso. Esta carga tributária só seria menor se tivesse uma reforma tributária, mas isso é difícil de acontecer porque a União não vai querer diminuir os seus impostos, muito menos os estados e sequer os municípios. Uma situação curiosa é que existem dois tributos que decorrem de um fato gerador que é o faturamento de vendas, PIS [Programa de Integração Social] e Cofins [Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social]. Quando o Governo Federal os recebe, não é obrigado a repassar ao estados e o municípios. Estes benefícios todos deveriam ter retorno em saúde, educação, saneamento… Talvez o povo não reclamaria se visse um hospital funcionando direito e não de forma precária.
P: Sobre a redução da tarifa de energia, foi uma medida arriscada para a economia do País?
R: Os economistas devem ter feito um cálculo para saber onde vai compensar o desconto dado. É uma manobra arriscada você diminuir e anular o imposto de um lado, sem que outro possa garantir um equilibrio na arrecadação. De repente para a indústria pode não ter sido tão bom, pois ela sempre tem que procurar melhores incentivos para compensar onde ela paga mais impostos.
P: E a estratégia de reduzir o IPI sobre carros e veículos automotores?
R: O IPI tanto onera a fabricação de um veículo quanto a importação. O que a gente observa é que quando as vendas caem, os empresários são os mais interessados em que este imposto diminua ou fique a zero para garantir vendas. O IPI, no fundo, é um imposto que permite uma boa arrecadação, mas regula os comportamentos para garantir a sobrevivência das empresas.
P: É complicado falar em direito tributário no Brasil? Por que?
R: Complicadíssimo! Pelo seguinte: Existem vários tributos que são exigidos num mesmo fato, além de haver uma certa guerra dos estados com os municípios ou dos municípios com a União. Nenhum deles vai querer perder nada, nem ceder, diante daquilo que recebem com os tributos. É um sistema que criaram e que dificilmente será corrigido.
(Diário do Pará)