Analistas debatem estratégia comercial do país

O papel dos acordos bilaterais e da redução de tarifas de importação na recuperação da competitividade brasileira dividiu opiniões ontem em seminário em São Paulo. Embora haja consenso maior quanto à necessidade de ampliar as negociações, especialmente com os países ricos, os custos envolvidos e os desafios embutidos nos novos modelos de acordo – que vão além das tradicionais tarifas – preocupam setores empresariais, do governo e acadêmicos.
Cobrado pela opção pelo multilateralismo enquanto a Organização Mundial do Comércio (OMC) não avança e o mundo faz vários acordos bilaterais, o Ministério das Relações Exteriores reagiu. O embaixador Paulo Estivallet Mesquita, diretor do Departamento Econômico do Itamaraty, defendeu que independentemente de acordos, a recuperação da competitividade passa por garantir o acesso da indústria a insumos de menor custo. “É necessário que se repense a estrutura de proteção da economia brasileira”, disse.
Um pouco antes, Ronaldo Costa Filho, diretor do Departamento de Negociações Internacionais do Itamaraty, ponderou que durante muito tempo o setor privado não se mostrava um “entusiasta” da liberalização comercial. “Essa postura só começou a mudar a partir de 2011″, afirmou. Para ele, a perda do dinamismo doméstico e a percepção de que o mercado regional – parte dele perdido para a China recentemente – pode ajudar o país a ganhar escala, ajudaram na mudança de avaliação do setor privado.
O duplo recado do Itamaraty – de que os acordos vão avançar à medida que isso for também uma demanda da sociedade e de que não existe almoço grátis – surpreendeu participantes da conferência “Rumos da Política de Comércio Exterior do Brasil”, mais acostumados com uma diplomacia de posições mais contidas. O evento foi realizado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), com apoio do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes), da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e do Valor.
Um ponto que apareceu em vários dos painéis foi a necessidade de abrir a economia brasileira e a consequente disposição do setor privado de enfrentar as consequências disso. Renato Baumann, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ponderou que dentro da lógica das cadeias globais de valor – que é por onde a indústria hoje fatia sua produção em diferentes países pelo lógica de menor custo, melhor escala e maiores ganhos – o Brasil hoje participa pela “porta dos fundos”, ou seja, pelo fornecimento de matéria-prima. Mudar isso, e ganhar espaço, passa por abrir a economia brasileira, reduzindo tarifas de importação.
“Não estou falando de abrir amanhã, de amanhã reduzir a alíquota de 12% para 4%, 5%, mas de sinalizar a direção. O custo social não é negligenciável, empresas vão quebrar e empregos serão fechados”, disse Baumann. Segundo ele, a inserção nas cadeias de produção global passa por esse caminho difícil, mas necessário, para que o país se torne mais competitivo.
Estivallett, que defendeu a revisão da atual estrutura tarifária de proteção existente, acha que “se houver um cronograma razoável [para redução das tarifas], o efeito pode ser benéfico”. Lembrou, contudo, que durante anos, sempre houve mais setores pedindo proteção do que pedindo redução de tarifa de importação. Cabe ao governo, diz, “buscar o equilíbrio.”
Em outra mesa de debates, Costa Filho, do Itamaraty, argumentou que o setor privado começou a mudar a favor de maior abertura e acordos comerciais mais abrangentes muito recentemente. “Até 2011, não havia uma torcida veemente do setor privado [por liberalização]“, disse. “O apoio externo para acordos é fundamental e ele nem sempre foi presente”, afirmou, logo após ouvir uma defesa veemente dos acordos bilaterais, especialmente com os ricos, feita por Vera Thorstensen, professora da Escola de Economia da FGV.
“Estamos vivendo no mundo do passado. Temos de fechar acordos bilaterais, e aprender a casar com os ricos”, disse Vera, ponderando que esse “casamento” poderia ser feito sem matar o Mercosul. Ela chamou atenção para o aumento de acordos com cláusulas além das tarifas. Citou como exemplo barreiras não tarifárias à importação de frango brasileiro.
Costa Filho defendeu o Mercosul, lembrou os ganhos de comércio do Brasil com a integração regional, mas concordou que é preciso avaliar a resolução que estabelece que o bloco precisa negociar em conjunto qualquer decisão ou acordo que contemple tarifas.
“O Brasil já pôs na mesa essa discussão”, disse ele, em referência a um debate interno entre os sócios do bloco. De acordo com o negociador, pela diversidade da economia brasileira, de produtos e mercados, um acordo multilateral sempre será privilegiado. “Mas não sendo possível, vamos discutir o que for interessante.”
Para Sandra Rios, diretora do Cindes, “o debate sobre política comercial no Brasil está dominado pela questão dos acordos, que eles salvarão a pátria. Mas eles não são uma panaceia. São, no máximo, uma estratégia de política de inserção comercial entre os países.”
Acordos, disse Sandra, são bem-vindos desde que integrantes de uma estratégia maior, de uma política econômica que atue no sentido de favorecer ganhos de escala e de produtividade. “Se quisermos avançar para uma política que incorpore esses elementos, a política comercial terá que passar por maior abertura.”
A liberalização do comércio, porém, é vista com cautela por segmentos industriais. Fernando Figueiredo, presidente da Abiquim, associação da indústria química nacional, disse que o setor não tem resistências à abertura comercial, mas que, para isso, o país terá que fortalecer a competitividade da indústria nacional.
“Se nos derem condições de competitividade, não tenho medo nenhum da abertura comercial.” Figueiredo ressaltou que o Brasil não conseguirá ingressar na cadeia global de valor enquanto mostrar problemas como deficiências de infraestrutura e um custo Brasil elevado.
Humberto Barbato, presidente da Abinee, que reúne indústrias do setor elétrico e eletrônico, lembra que o Brasil possui hoje um alto índice de importados no consumo doméstico. “O nosso setor fica sempre meio refratário a uma abertura comercial. Pagamos muito caro na década de 1990, na abertura promovida pelo governo Collor.” Isso não significa, diz, que o segmento é contrário a acordos. Mas temos a convicção de que uma abertura tem que se dar em um ritmo que a indústria não seja prejudicada de uma hora para outra.”


Fonte: Valor Econômico

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