Argentina não chega a acordo com fundos e entra em default

O governo da Argentina não chegou a um acordo com os credores que não participaram da dívida reestruturada. Com isso, o país entra num novo “default” e continuará sem acesso aos mercados internacionais. Num discurso político, o ministro da Economia, Axel Kicillof, anunciou o fracasso da última reunião, em Nova York, e apontou o juiz federal dos Estados Unidos Thomas Griesa como responsável pelo impasse. A tendência é de nova pressão sobre o câmbio e aprofundamento da recessão, o que pode afetar o Brasil.
Ontem à noite, havia a expectativa de que um acordo entre bancos privados argentinos e os credores pudesse reverter a situação. Mas a negociação não avançou. Uma das hipóteses era que os bancos comprassem 100% da dívida dos fundos que não participaram de renegociações anteriores. Como seria uma operação privada, o governo argentino se livraria do risco de ativação da cláusula “Rufo” (direitos sobre futuras ofertas, na sigla em inglês), que prevê a extensão de eventuais pagamentos mais vantajosos aos credores que aceitaram a reestruturação.
Em nota, a consultoria de risco político Eurasia Group diz acreditar que a “história ainda não acabou”. “A nossa visão é que o governo permanece muito preocupado com a cláusula, mas está endossando o plano apresentado pela associação local de bancos. Até onde sabemos, o plano foi elaborado com a ajuda do Banco Central e o apoio do governo”, diz a Eurasia.
A reunião ontem com os fundos credores, que venceram na Justiça americana o direito de receber o valor integral da dívida, durou seis horas. Kicillof encerrou o último dia para evitar o calote falando à imprensa no Consulado da Argentina em Nova York. Disse que ofereceu aos “houldouts” uma reestruturação da dívida, tal como a negociação feita com os 92,4% dos detentores de títulos da dívida, que aceitaram a reestruturação em 2005 e 2010. “Não podemos dar a eles uma oferta maior, mas Griesa parece querer nos obrigar a isso.”
Segundo o ministro, a Argentina “buscará alternativas para pagar aos credores que aceitaram a reestruturação”. Não indicou, no entanto, qual estratégia o governo pretende adotar. “Tomaremos absolutamente todas as medidas, ações, instrumentos dos nossos contratos, do Direito nacional e internacional para que essa situação não se perpetue.”
“A delegação do governo da Argentina e a dos fundos infelizmente não chegaram a um acordo e o calote da Argentina é iminente”, disse ontem o advogado Daniel Pollack, indicado por Griesa para mediar as negociações. Em nota, ele destacou que, “apesar de qualquer afirmação em contrário, um default não é apenas uma mera ‘condição’ técnica, mas um evento real e doloroso que vai afetar pessoas reais”. Segundo ele, estão nesse grupo cidadãos argentinos, credores da dívida renegociada e detentores de títulos que não participaram das reestruturações.
Antes do fim da reunião, a agência de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) rebaixou a nota da Argentina de CCC- para default seletivo, considerando que o país havia dado o calote em parte de suas dívidas em moeda estrangeira. Em relatório, a agência disse que, “se e quando” o país resolver a situação, pode revisar o rating, dependendo da avaliação sobre o risco residual de litígio, o acesso aos mercados internacionais de dívida e o perfil geral de crédito.
Na Argentina, o fracasso do último encontro surpreendeu o mercado e analistas, que tinham uma última esperança, surgida no dia anterior, quando a Associação dos Bancos Argentinos se mostrou disposta a oferecer dinheiro como garantia para que as negociações pudessem prosseguir até o fim do ano. Esse tempo extra era o que o governo aparentemente queria para poder escapar da “Rufo”.
A iminência do calote deixou perplexos analistas que contavam com a proposta dos bancos como alternativa para reverter o impasse das negociações que se estenderam ao longo do mês. O economista Orlando Ferreres, um dos primeiros a opinar em entrevista à TV, previu piora no nível de atividade econômica do país, já em queda, além de desemprego.
Ferreres lembrou que os títulos da dívida, que subiram nas últimas horas diante da possibilidade de uma solução, voltarão a perder valor. “Parecia que tudo estava encaminhado; mas agora será uma coisa complicada”, destacou. O discurso político de Kicillof preocupou o economista. “Não há informação”, disse.
Ao ser questionado, em Nova York, sobre a oferta que os bancos dariam para ajudar na continuidade do acordo, Kicillof repetiu o que o ministro-chefe de gabinete, Jorge Capitanich disse antes: “É um acordo entre privados”. Kicillof acrescentou que o país continuará a pagar a dívida reestruturada.
Mas, a prevalecer o quadro atual, o dinheiro não chegará aos detentores dos títulos. A parcela depositada no dia 30 de junho foi bloqueada pela Justiça americana. “Vamos continuar pagando a dívida reestruturada, mas é inédito um juiz proibir os credores de receberem; Griesa precisa resolver essa situação insólita”, destacou.



Fonte: Valor Econômico

Comments

Open chat
Como posso te ajudar?