Argentina retém dólares e preocupa importador

Quem passeia pela Avenida de Mayo percebe na beleza arquitetônica a pujança de um passado distante. Inaugurada em 1894, a via que une a Casa Rosada com o Congresso, as maiores instituições públicas do país, foi entregue numa época em que Buenos Aires recebia, junto com os imigrantes, as melhores técnicas de construção europeias. O emblemático edifício que pertence à União Industrial Argentina (UIA) conserva o estilo herdado da escola de Belas Artes da França. Mas o período de prosperidade ficou para trás.
A elegância do homem que dirige a UIA orna com o imponente saguão que dá acesso a sua sala, cercada por colunas de influência romana. Nesse cenário, não é difícil remeter-se à época em que se comparava a Avenida de Mayo a um bulevar de Paris. Mas o pensamento de Héctor Méndez, presidente da entidade que representa a indústria argentina, concentra-se numa realidade econômica sem exuberâncias. Faltam poucos dias para o governo argentino evitar novo calote e isso deixa em dificuldades maiores um setor que já enfrenta os efeitos nocivos de uma recessão.
Para Mendez, mesmo com poder de negociação reduzido, um acordo do governo com os credores que não participam da dívida reestruturada representaria “um custo menor” para o país porque o recolocaria no caminho que tentava abrir para voltar ao mercado internacional. “Com a indenização da Repsol e acordo com o Clube de Paris parecia que estávamos em boa direção”, afirma Méndez, um dirigente muito requisitado em reuniões empresariais.
Uma das maiores preocupações das empresas é que as restrições às importações fiquem ainda mais rigorosas. Se a Argentina não voltar ao mercado internacional o controle da saída de divisas tende a ser mais rígido. Com nível baixo de reservas de moeda estrangeira, a liberação de dólares pelo Banco Central para importadores tende a ficar cada vez mais difícil.
Nos últimos dias, segundo importadores, o volume diário liberado caiu 25% na comparação com o de algumas semanas atrás, já bem abaixo do valor solicitado pelas empresas. “As próprias empresas já entraram em ‘default’ porque não conseguem pagar os fornecedores. Em muitos casos vendemos no mercado argentino produtos pelos quais ainda não pagamos. Essa exposição é um grande risco porque não sabemos qual será o valor do dólar quando pudermos quitar nossas dívidas. Se o peso desvalorizar vamos arcar com grandes prejuízos”, afirma o executivo da área de comércio exterior de uma empresa, que prefere não se identificar.
O efeito das restrições às importações afeta diretamente as empresas brasileiras. A participação dos produtos brasileiros soma 17% do que o setor industrial do país vizinho gasta com importação, segundo dados da consultoria Abeceb.
Mas existem muitas outras preocupações no meio empresarial em relação às consequências de um possível calote. E até nas grandes companhias se nota o peso da ansiedade em relação aos dias que restam para o governo negociar.
“Um dos maiores problemas será o aumento do custo do capital”, afirma Amancio Oneto, principal executivo da Molinos Rio de la Plata, uma das gigantes do setor de alimentos e agronegócio, dona de marcas como a linha de azeites “El Cocinero” e os vinhos Nieto Senetiner.
“Outro problema é que num quadro de ‘default’, o consumo vai cair”, diz Oneto. Depois de dois anos consecutivos de crescimento, de 4%, em média, por ano, todos os analistas concordam que o país registrará quedas de consumo de pelo menos 1% este ano.
“O que não falta na Argentina é a oportunidade de negócios”, diz Mendez, da UIA. “Mas os investimentos estão todos parados”, destaca. O risco de desemprego também assusta os empresários, diz, que tentam evitar o custo de dispensar mão de obra qualificada. Responsável por 20% do PIB, a indústria dá emprego a 2,8 milhões de argentinos.
A indústria automobilística, a primeira a ser atingida, tentou até aqui compensar a ociosidade com programas de licenças aos funcionários. “Mas é lógico que num cenário de crise a população se concentra na compra dos itens de primeira necessidade”, diz.
Contexto
Quem trabalhou na Argentina na época do calote de 2001 não quer voltar a viver o pesadelo. É justamente por causa da dívida daquela época que o país está novamente em apuros. Um grupo minoritário de credores, que não aceitou trocar os títulos nas reestruturações de 2005 e 2010, ganhou na Justiça americana o direito de receber a sua parte integralmente.
Liderado pelo fundo NML Capital, do bilionário Paul Singer, o grupo tem direito a US$ 1,5 bilhão. Mas o pagamento dessa dívida abre precedente para que todo o restante – 94% dos credores -, que aceitou a reestruturação, receba também a parte integral, o que daria, nos cálculos do governo, US$ 120 bilhões. Isso é quatro vezes mais do que o país tem em reservas de moeda estrangeira.


Fonte: Valor Econômico

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