Aumento da carga tributária no horizonte

 

 

Por Ribamar Oliveira

Não teve a repercussão que merecia o alerta feito na semana passada pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, sobre o atual desequilíbrio entre o crescimento das despesas obrigatórias e o da receita da União. Levy disse que o desequilíbrio é “estrutural” e observou que ele precisa ser resolvido no futuro. A atenção da maioria das pessoas ficou presa ao tamanho da redução da meta fiscal deste e dos próximos anos e poucas se deram conta de que a mudança anunciada é apenas a ponta do iceberg. Cauteloso, Levy fez apenas o diagnóstico do problema e não se atreveu a antecipar os remédios que terão que ser ingeridos pela sociedade em futuro próximo. O crescimento das despesas obrigatórias não cabe no Orçamento da União, que está sendo fechado todo ano com receitas atípicas ou extraordinárias cada vez maiores.

É compreensível que o ministro da Fazenda não tenha dito que a sociedade deve aceitar reduzir o ritmo de aumento das despesas obrigatórias ou aumentar a carga tributária. É provável que, no ponto a que as finanças públicas brasileiras chegaram, as duas coisas terão que ser feitas. Para entender o que está se passando, basta observar que o gasto total da União neste ano vai crescer em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) e em termos reais, na comparação com o ano passado, que foi de grande gastança, mesmo com todos os cortes anunciados até agora pelo governo. De janeiro a maio deste ano, a despesa total da União cresceu 0,2% em termos reais, na comparação com 2014, segundo dados do Tesouro Nacional.

Enquanto a receita total caiu 3,5% no mesmo período. Os dados de junho deverão ser divulgados hoje, mas não devem alterar essa realidade. As despesas obrigatórias crescem mais que a receita A explicação para isso é que as chamadas despesas obrigatórias não param de subir. De janeiro a maio, os gastos com benefícios previdenciários aumentaram 4,5% em termos reais, na comparação com o mesmo período de 2014. O aumento real das despesas com benefícios assistenciais (Loas e RMV) foi ainda maior, de 6,8%. O único gasto obrigatório que não cresce é o pagamento dos servidores ativos e inativos. No período considerado, esse gasto caiu 1,4% em termos reais na comparação com o ano passado.

Deve­-se incluir nessa relação as despesas com saúde e com educação, que aumentam por determinações constitucionais. Cerca de 90% de toda a despesa da União é obrigatória por algum tipo de determinação legal. Para tentar equilibrar essa conta, o governo promoveu neste ano mudanças em algumas despesas obrigatórias, como o seguro­-desemprego, o abono salarial, a pensão por morte, o auxílio­-doença e o seguro ao pescador. Mesmo assim, o relativo controle que está sendo realizado nas contas da União resulta de um forte corte nos investimentos públicos. De janeiro a maio, de acordo com os dados do Tesouro, o governo reduziu os pagamentos dos investimentos feitos no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 40% em termos reais, na comparação com o mesmo período de 2014. Os pagamentos do programa Minha Casa, Minha Vida caíram 33,6% em termos reais. Os cortes nos investimentos e as medidas de controle dos gastos obrigatórios não serão suficientes para equilibrar as contas da União neste ano. O governo projeta uma receita atípica ou extraordinária neste ano que será recorde histórico.

Apenas a Receita Federal estima obter uma receita extraordinária de R$ 51,6 bilhões nos tributos que administra de julho a dezembro. Se forem incluídos os R$ 4,6 bilhões já obtidos em fevereiro, o valor ultrapassará R$ 56 bilhões. Além disso, o governo conta com arrecadação com concessões de serviços públicos de R$ 18,2 bilhões. Mesmo esse recorde de receitas extraordinárias, se vier a se concretizar, não será suficiente para garantir o equilíbrio das contas da União neste ano. Por isso, o governo reduziu a meta de superávit primário de 1,13% do PIB para 0,15% do PIB. Na verdade, ele fixou uma “banda informal” para a meta fiscal, pois o resultado poderá ser um déficit primário e ainda assim a meta será cumprida. Como já foi informado nesta coluna, o governo está cada vez mais dependente das receitas extraordinárias ou não recorrentes, como preferem os economistas, para fechar as contas. Assim, não é possível, como imaginam alguns, alcançar, apenas com receitas recorrentes, um superávit primário que mantenha estável a relação entre a dívida pública bruta e o PIB. Não na situação atual, em que as despesas obrigatórias crescem muito em termos reais e as receitas tributárias da União não aumentam no mesmo ritmo. Assim, a meta de superávit primário de 2% do PIB anunciada pelo governo para 2018 é mais ambiciosa do que pode parecer à primeira vista.

Esse objetivo só será alcançado se o governo conseguir reduzir o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias e continuar obtendo receitas extraordinárias em grande monta. O ingrediente que coloca mais dramaticidade na situação é que, segundo alguns economistas, o superávit primário anual necessário para estabilizar a dívida bruta em proporção do PIB é da ordem de 2,5% do PIB. Ou seja, o esforço fiscal precisa ser maior. Para conter o crescimento do gasto obrigatório, o governo precisa propor ao Congresso medidas que são politicamente difíceis de aprovar. A regra para o aumento anual do salário mínimo, por exemplo, terá que ser modificada, provavelmente com a adoção do aumento real equivalente à variação do PIB per capita.

A nova regra reduziria as despesas da Previdência e da assistência social. É imprescindível também que o governo encaminhe ao Congresso uma proposta de reforma do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), definindo uma idade mínima para a requisição da aposentadoria. Além de garantir, é claro, a aprovação do projeto de lei que reverte a desoneração da folha de pagamento das empresas. Mesmo essas medidas podem não ser suficientes. Por isso, devem vir acompanhadas de propostas para aumentar a carga tributária. A medida mais provável, pois conta com apoio no Congresso e de governadores, é a recriação da CMPF, o imposto dos cheques. Há informações também sobre estudos oficiais para a tributação mais pesada de heranças e doações e de grandes fortunas. Ribamar Oliveira é repórter especial e escreve às quintas-­feiras E­mail: ribamar.oliveira@valor.com.br

 

Fonte: Valor

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