Crise argentina deixa em segundo plano proposta de ampliação do bloco regional

Ao lado de outros presidentes, Dilma disse que problema argentino atinge todo o sistema financeiro internacional

A 24 horas de ter seus recursos para pagamento de dívida externa bloqueados em função de uma decisão judicial nos EUA, a Argentina assumiu ontem a presidência ‘pro-tempore’ do Mercosul. O tema tornou-se o único assunto a ser abordado de maneira uniforme por todos os presidentes presentes na Cúpula do Mercosul, inclusive a presidente Dilma Rousseff, para quem “o problema atinge todo o sistema financeiro internacional”.

Dilma colocou em dúvida a correção da sentença do juiz Thomas Griesa, da primeira instância de Nova York, que determinou que a Argentina não pode usar recursos para pagar sua dívida reestruturada antes que sejam liquidados os débitos de um grupo de investidores que adquiriu títulos vencidos para litigar na Justiça.

“Nós precisamos de um sistema com regras claras e imparciais, previsibilidade e justiça no processo de reestruturação de dívidas”, comentou Dilma, que se empenhou em dizer que a solidariedade com a Argentina “não é apenas retórica”. “O problema que hoje atinge a Argentina é uma ameaça não só a um país irmão, atinge a todo o sistema financeiro internacional. Não podemos aceitar que a ação de alguns poucos especuladores coloque em risco a estabilidade e o bem-estar de países inteiros”, disse, citando o anúncio que fez no término da cúpula dos Brics em Fortaleza de que levará o tema para a pauta de discussões do G-20 e lembrando que o Brasil se apresentou como “amicus curiae” (parte interessada) da Argentina durante o processo judicial.

A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, reiterou em seu discurso argumentos que sempre lança mão ao se referir ao tema: afirmou que não há como cumprir a sentença, porque isso poderia acionar uma cláusula dos acordos de renegociação, conhecida como cláusula Rufo, que determina que os credores que entraram na renegociação nunca devem receber menos que os credores que ficaram fora do acordo. Segundo ela, “default é quando um país não paga, e a Argentina tem pago”. Cristina minimizou as consequências de uma inadimplência. “Nosso país já viveu as dez pragas do Egito, quando houve o colapso de 2001”, disse “. O país pagará 100% de seus credores, “de forma justa, equitativa, legal e responsável”, ressaltou.

O tema foi objeto de um dos documentos assinados após o encontro. Os demais assuntos que contaram com a aprovação dos presidentes foram uma condenação às operações militares de Israel em Gaza, iniciativas de integração de natureza social, a promessa de colocar em operação antes do fim do ano o Banco do Sul e homenagens ao venezuelano Hugo Chávez (1954-2012) e Nestor Kirchner (1947-2010), antigos presidentes da Venezuela e da Argentina.

Durante a cúpula, a proposta brasileira de aproximar o Mercosul dos países da aliança para o Pacífico, com exceção do México, ficou relegada a um segundo plano. O tema ocupou apenas uma frase do discurso de Dilma e não constou da declaração final. “Devemos buscar a implementação da desgravação tarifária, o que vai permitir que nós criemos uma zona de livre comércio sul-americana”, disse a presidente, em referência indireta à aproximação com Chile, Peru e Colômbia. A ausência da presidente chilena Michelle Bachelet, que havia confirmado presença como convidada, diminuiu o impacto da proposta, que conta com apoio de entidades como a Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Dilma afirmou que o bloco regional “não é um espaço econômico insignificante” e disse que o Brasil “não pode negligenciar a inserção das economias do bloco no mundo global”. Dilma mencionou como iniciativas nesse sentido a ampliação do bloco, com o ingresso da Bolívia como membro pleno; os acordos de livre comércio com os países da América do Sul que não são integrantes do grupo e as negociações com outros blocos, como a União Europeia.

“Nosso bloco já concluiu oferta compatível com os compromissos assumidos nas negociações de 2010. Esperamos agora que o lado europeu consolide a sua oferta. Essa negociação só poderá prosperar com um intercâmbio simultâneo de ofertas.”

Dilma ocupou boa parte de seu discurso para condenar a ofensiva israelense na faixa de Gaza, tema que fez o Brasil retirar o embaixador em Israel. Segundo a presidente, ” a existência de dois Estados (Israel e Palestina) é pré-condição para a estabilidade”. Segundo Dilma, “o conflito pode desestabilizar toda a região”.


Fonte: Valor Econômico

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