Crise atinge bens não duráveis e quadrimestre é o pior da série



Por Arícia Martins

A retração da demanda das famílias levou setores industriais, que até pouco tempo atrás pareciam imunes à desaceleração da economia, a recuarem com força neste ano. De janeiro a abril, a produção de bens de consumo semiduráveis e não duráveis encolheu 6,8% em relação ao mesmo período de 2014, pior quadrimestre para essa categoria econômica desde o início da série histórica da Pesquisa Industrial Mensal ­ Produção Física do IBGE, em 2003.

Estão em queda não apenas segmentos que já vinham em trajetória negativa, mas também indústrias que produzem itens de primeira necessidade ­ farmacêutica, alimentos, bebidas, produtos de limpeza e higiene pessoal. Segundo associações empresariais ouvidas pelo Valor, a inflação elevada, a alta do desemprego e a redução da renda disponível para consumo são os principais fatores que explicam o baixo dinamismo. “Se a crise da indústria foi identificada com a falta de competitividade de seus produtos relativamente aos bens importados, ela vem sendo agravada com o fraco andamento da economia brasileira nos últimos anos e se aprofunda, no início de 2015, com a queda do consumo das famílias decorrente do aumento do desemprego e da diminuição do rendimento médio real das pessoas ocupadas”, afirma o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), em análise em que destaca o novo perfil da crise industrial.

De acordo com o Iedi, não só a situação dos setores de vestuário e calçado se agravou, como também há uma crise “nova” em outras partes da indústria: a produção de bebidas, por exemplo, caiu 6,9% em relação ao primeiro quadrimestre de 2014, menor resultado para o período desde 2003. Pelos dados do Sistema de Controle de Produção de Bebidas da Receita Federal do Brasil (Sicobe), a produção de refrigerantes caiu 6,1% de janeiro a maio, e a de cervejas, 6,7%.

Para Alexandre Jobim, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas (Abir), o ajuste da economia está se refletindo na atividade do setor. Com redução do poder aquisitivo e alta do desemprego, diz Jobim, o consumo de bebidas é atingido. Segundo o empresário, o quadro negativo é acentuado pela alta base de comparação de 2014, quando a Copa do Mundo levou a um aquecimento extra da demanda. Por isso, afirma Jobim, se a produção das indústrias associadas terminar 2015 com estabilidade em relação ao ano passado, já será um bom resultado.

Dentro da categoria de bens semi e não duráveis, o maior tombo no ano ficou a cargo da produção de farmacêuticos, que recuou 19,8% até abril. Nelson Mussolini, presidente do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), pondera que, em prazos mais curtos, os números do IBGE podem ser afetados por questões pontuais, como o não envio de informações de uma grande empresa do setor em um mês. Os dados do Sindusfarma ­ que representa cerca de 65% da indústria farmacêutica nacional ­ apontam que as vendas dos associados para farmácias cresceram 11% no primeiro trimestre, sobre o mesmo período de 2014, mas caíram 6% se comparadas aos três meses imediatamente anteriores. “Já começamos a sentir os reflexos da redução da atividade econômica. Fabricamos produtos de primeira necessidade, mas a redução do nível de emprego nos afeta”, disse Mussolini.

Para o Iedi, a retração nessa indústria também pode refletir a transferência de produção doméstica para o exterior. A entidade também menciona o recuo de 4,5% na fabricação de sabões, detergentes, produtos de limpeza, cosméticos, produtos de perfumaria e de higiene. Na visão da Abihpec, que reúne fabricantes dos setores de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, a “crise política e econômica”, aliada à desvalorização do real e à inflação, são fatores preponderantes que explicam a queda da produção, mas o aumento da tributação também é uma influência negativa sobre o consumo. A Abihpec calcula que a equiparação da cobrança de IPI de atacadistas a industriais elevará os preços de cosméticos em até 12% acima da inflação.

Completando o cenário negativo, a indústria de produtos alimentícios reduziu a atividade em 1,4% de janeiro a abril. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia), a produção caiu 1,56% ante o primeiro quadrimestre de 2014 e as vendas reais subiram 1,41%. “O desempenho do começo de 2015 foi inferior se comparado a igual período de 2014, ano em que o país vivia um cenário econômico diferente e as vendas, especialmente no setor de alimentos, foram impulsionadas pela Copa”, diz a Abia em nota. A entidade afirma que a queda do consumo interno vem sendo observada desde o segundo trimestre do ano passado, em linha com o aumento no nível de endividamento das famílias. Problemas climáticos também elevaram os preços dos alimentos. Com a recuperação esperada para o último trimestre, a Abia projeta que a produção das indústrias associadas vai subir cerca de 1% em 2015.

Fonte: Valor

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