[:pt]Estamos afundando[:]

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Por Antonio Delfim Netto

Os agentes econômicos internos e externos, mesmo os mais simpáticos ao governo, sempre tolerantes e dispostos a dar mais um voto de confiança ao Brasil, estão perplexos com o seu futuro político e suas consequências econômicas. O Executivo e o Legislativo parecem subestimar a resultante de suas paralisias para o desenvolvimento e o bem estar do país. Se não nos organizarmos, e mobilizarmos urgentemente a nossa vontade, imaginação e inteligência, não há a menor hipótese de, nos próximos dez anos, voltarmos a reduzir nossa distância ao crescimento mundial.

Nos últimos cinco anos crescemos, praticamente, 5%, enquanto o mundo cresceu 18% e os emergentes (sem o Brasil), nada menos do que 28%. Estamos afundando. É preciso afastar a ideia de que programas pró­inclusão e redução das desigualdades devem ser, necessariamente, programas anti crescimento. Pelo contrário, a experiência histórica mostra que as duas alternativas: 1) crescimento sem inclusão; ou 2) inclusão sem crescimento, terminam em desastres.

O Brasil precisa reconquistar a sua governança É fundamental reconhecer, entretanto, um fato frequentemente ignorado pelos nossos diretórios acadêmicos: só pode ser distribuído fisicamente o que já foi produzido internamente, somado ao que eventualmente se ganhou de presente por conta da melhoria das relações de troca e ao que se tomou emprestado na forma de déficits em conta corrente que um dia o credor pedirá de volta. Um bom programa objetiva, através de incentivos adequados, calibrar o aumento do consumo (uma condição necessária para diminuir a desigualdade) com o nível de investimento (uma condição necessária para o crescimento), mantendo o equilíbrio interno (inflação baixa e estável) e o equilíbrio externo (déficit em conta corrente financiável). Esse programa não deve ser confundido com os de assistência social, que, devem fazer parte da política de qualquer país civilizado.

Eles objetivam dar suporte aos menos favorecidos pela sorte e dar­-lhes a oportunidade de com seu esforço recuperarem a dignidade da cidadania. Devem perseguir a redução da pobreza, ter sustentabilidade financeira e ser sujeitos à análise permanente da relação custo/benefício, pela simples e boa razão de que programas assistenciais permanentes criam seus próprios parasitas. Esses programas não são responsáveis pelo desequilíbrio fiscal estrutural inscrito na Constituição de 1988 e que estávamos esperando para acontecer quando o efeito da redução do crescimento do PIB na receita corrente, e o seu efeito assimétrico nas despesas correntes dos três entes federativos (União, Estados e municípios), fosse visível.

A nossa generosa (com alguns) e injusta (com o “resto”) previdência social é atuarialmente insustentável; as vinculações colocam a administração do governo no piloto automático à espera de acabar o querosene; as indexações têm efeitos destrutivos para o equilíbrio das finanças públicas; a Justiça trabalhista trata todo trabalhador como hipossuficiente e todo empresário como meliante; o sistema tributário confuso gera graves distorções alocativas; a carga tributária, alta e mal distribuída, é dissipada por um setor público muito menos eficiente do que o privado e, logo, redutora do crescimento.

Esses são alguns dos problemas que estão a exigir uma ação enérgica do Executivo e do Legislativo para corrigir os dispositivos constitucionais e devolver ao Brasil as condições para um desenvolvimento social e econômico mais vigoroso e, ao mesmo tempo, mais equânime. Todos os países que tiveram sucesso usaram, praticamente, a mesma política, à qual chegaram por tentativa e erro num processo seletivo quase biológico. Eles mostram que a coordenação entre as políticas fiscal, monetária e a administração da dívida pública foram essenciais.

A dívida pública é um instrumento fundamental na captação de poupança interna e externa (com a qual é preciso muito cuidado quando expressa em moeda estrangeira) para acelerar o investimento em infraestrutura. Não há um nível ótimo para a relação dívida pública/PIB: há níveis convenientes, que devem deixar espaço para políticas anticíclicas quando a demanda interna esmorece. Flutuações são perfeitamente aceitáveis quando o projeto financiado aumenta o PIB e, após maturado, tem taxa de retorno superior à do seu financiamento.

Não é difícil produzir exercícios aritméticos (e até alguma evidência empírica) dessa possibilidade. É claro, entretanto, que o efeito final depende do nível da relação dívida pública/PIB (que vai pressionar a taxa de juros), do próprio nível da taxa de juros e da taxa de retorno do investimento, ou seja, da resposta do PIB ao investimento.

Uma coisa é certa: projetos em estádios de futebol ou Olimpíada não satisfazem aqueles critérios, mas mortal, mesmo, é financiar despesas de custeio, de pessoal, ou aumentar a relação dívida/PIB com mais aumento da dívida. O que faremos com os mais de 100 mil trabalhadores que serão dispensados simultaneamente com o fim das obras da Olimpíada no Rio de Janeiro, em maio de 2016? O Brasil precisa reconquistar a sua governança o mais cedo possível.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA­USP, ex-­ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças­-feiras E­mail: ideias.consult@uol.com.br

Fonte: Valor

 

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