‘Falta coragem para acabar com tempo de contribuição para aposentadoria’

[:pt]PAULO MUZZOLON

ENVIADO ESPECIAL A VINHEDO

20/05/2015  02h00

Especialista em Previdência com mais de uma centena de livros publicados e ainda produzindo aos 79 anos, o advogado Wladimir Novaes Martinez diz que as mudanças na pensão por morte do INSS são importantes para conter os gastos previdenciários, mas insuficientes.

“Deveria acabar a aposentadoria por tempo de contribuição.” Ele defende que a exigência para aaposentadoria seja uma combinação de idade e tempo de contribuição, em que a soma de ambos seja igual a 85, para a mulher, ou 95, para o homem –a chamada fórmula 95.

Criado por ele em 1992, o índice retornou à discussão no Congresso, mas com alterações que só aumentam o deficit da Previdência. Uma emenda à medida provisória que alterou as regras da pensão estabelece que, se o trabalhador atingir tal índice, poderia se aposentar sem a incidência do fator. A fórmula de Martinez mantém o fator previdenciário e seria uma medida para o adiamento do pedido de benefício, como ele explica nesta entrevista à Folha.

Folha – A mudança nas regras da pensão por morte resolve o problema no caixa da Previdência?

Wladimir Novas Martinez – Não, a economia será pequena. A Previdência precisaria de R$ 40 bilhões, R$ 60 bilhões. A economia que se terá com as mudanças baixou de R$ 20 bilhões para R$ 16 bilhões, porque já houve um acordo no Congresso. A medida foi correta, seguindo parâmetros internacionais, mas deve causar alguma mudança na sociedade.

Como?

Há uma expectativa, nos casamentos em que um dos cônjuges não trabalha, de que se ele morrer, deixará uma pensão para o sustento da família. Não estou falando só de um Brasil antigo, isso ainda existe. Não podemos pensar unicamente em São Paulo; pelo interior a coisa muda de figura, tem muita gente vivendo assim. O que vai fazer uma mulher que nunca trabalhou e que terá a pensão só por três anos? Antes ela era doméstica, ou seja, do lar, e agora vai ser o quê? Empregada doméstica? É uma ideia meio antiga, mas que não pode ser ignorada. Pouca gente tratou disso.

Então não deveriam ter mexido na pensão?

A medida foi correta, nossa pensão era uma maluquice. Só que o governo deveria ter discutido antes, feito audiência pública. A MP, por exemplo, não acaba com a pensão para quem casar de novo. Deveria ter acabado. Também não foi colocado a coisa da dependência econômica. Se o cônjuge não era economicamente dependente do trabalhador que morreu, não tem porque receber pensão.

O governo também não mexeu na aposentadoria.

O governo não tem coragem de acabar com a aposentadoria por tempo de contribuição, que é um absurdo, outra maluquice, por causa dos efeitos políticos e partidários. Aí criou o fator previdenciário, e agora falam da fórmula 95, que eu criei em 1992. Se uma pessoa começou a contribuir com 14 anos, como era possível anos atrás, com quantos anos vai se aposentar? E quem vai pagar a aposentadoria dele esses anos todos? O país não tem capacidade de criar riqueza para ter esse benefício.

Ou seja, sem limitador de idade, a aposentadoria por tempo de contribuição é concedida muito cedo.

Isso. E o brasileiro está vivendo mais. Eu tenho 79 anos. Vinte anos atrás, todo mundo morria com 70 anos. Tem um custo para manter essas aposentadorias, e o empresariado não está disposto a manter isso, tem a concorrência internacional, precisa vencer a China. Então como não tem dinheiro, não tem como pagar por este benefício. Houve uma tentativa de se diminuir a aposentadoria precoce com o fator previdenciário, que entrou em vigor em 1999, mas não melhorou nada.

Da forma como é hoje, então, há dois problemas? O o aposentado reclama do valor recebido, baixo devido ao fator previdenciário. Já o governo tem um custo alto porque esse aposentado vai receber por bastante tempo?

Claro. Uma aposentadoria aos 53 anos é muito precoce. No mundo inteiro não é assim, as pessoas se aposentam com 65 anos. Na França, já passou para 67 anos.

Mas há resistência contra medidas que adiem a aposentadoria, e o trabalhador pede o benefício assim que tem direito a ele.

Ninguém fala o porquê de o trabalhador continuar se aposentando cedo. Quem tem previdência complementar pode se aposentar cedo, porque terá complementação de renda. Quem não tem fundo precisa se aposentar mais tarde para receber um valor maior. O problema é que o trabalhador mais velho começa a ter mais gastos -com cuidados médicos, novos tecnologias que não existiam antes, novos produtos etc.- e vê a aposentadoria como um complemento de renda. Se aposenta e continua trabalhando.

Em países desenvolvidos, quem se aposenta para de trabalhar porque o que recebe mantém o padrão de vida. E mesmo que o benefício seja menor que o salário, o Estado oferece muita coisa para o aposentado, como tratamento médico gratuito.

Não há uma forma de se garantir isso?

Claro que há, mas desde que houvesse uma preocupação das pessoas e do Estado em carrear recursos. Os autônomos, por exemplo, não contribuem à Previdência sobre o total de sua remuneração, ou pelo teto da Previdência? Dou uma aula sobre direito previdenciário para advogados, e há cem pessoas na sala. Quando pergunto quem paga o INSS, só 40 levantam a mão. Destes, 35 contribuem sobre o salário mínimo. Os cinco que pagam mais que o piso são os mais velhos, que precisam elevar a contribuição para fins de aposentadoria. Os autônomos, os empresários, estão fugindo da previdência pública e estão entrando na previdência complementar.

Qual seria a idade-limite para conceder o benefício sem prejudicar as contas?

Com tendência a subir nos próximos anos, 65 anos para o homem e 60 anos para a mulher, com aposentadoria integral. E subir para 66 daqui dois anos, para 67 daqui a quatro e assim por diante, e ir aumentando enquanto a expectativa de vida aumentar. E se a expectativa de vida diminuir, o que pode acontecer, você diminui a essa idade mínima.

Editoria de Arte/Folhapress

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O sr. propõe a fórmula 85/95 para elevar a idade ao se aposentar, e que voltou à discussão com as mudanças na pensão. Só que os deputados discutem a fórmula 85/95 sem acabar com o modelo atual, mantendo a opção do trabalhador continuar se aposentando cedo. A única alteração é a garantia da aposentadoria integral caso a soma 85/95 fosse atingida.

E não resolve nada, porque possibilita a aposentadoria de quem não atingir o índice. Na minha proposta não há tempo mínimo de contribuição. Mas para ter direito à aposentadoria é preciso ter soma 85, para mulher, e 95, para homem. Uma pessoa que começou a trabalhar formalmente aos 16 anos, terá 40 anos de contribuição aos 56 anos de idade e já poderá se aposentar. Vai receber por bastante tempo do INSS, mas também contribuiu por bastante tempo. Outro que começou a contribuir aos 35 anos, atingirá a fórmula aos 65 anos. Terá contribuído por apenas 30 anos, menos que o outro, mas vai receber do INSS por menos tempo. Você pode variar a idade e o tempo de contribuição, o importante é que se chegue ao índice.

Quem começou a contribuir cedo e vai se aposentar logo, que leve ao INSS um tempo maior de contribuição. O pressuposto dessa fórmula é não causar prejuízo para o sistema. Eu criei a fórmula em 1992 e sugeri isso ao Ministério da Previdência em 2003. Como a expectativa de vida aumentou, já estou pensando em fórmula 95/105, em vez de 95, mas isso ainda é uma ideia.

E para o trabalhador que passou boa parte na informalidade, que não contribuiu por tempo suficiente para chegar a essa fórmula?

Que é geralmente o hipossuficiente, o trabalhador mais pobre, que não teve estudo, morador da periferia, de Estados mais pobres. Imagine que um médico, aos 65 anos de idade, tenha 30 anos de contribuição. Trinta mais 65 dá 95, ele já poderia se aposentar. Agora imagine um servente que vai fazer uma obra na casa dele, também com 65 anos, mas com apenas 15 anos de contribuição. Como ele vai se aposentar? Na minha fórmula, proponho um índice divisor sobre o tempo de contribuição, que varia em função do salário médio do segurado. Quanto maior o salário, mais próximo de 1 é esse índice. Quando o índice for menor que 1, há um incremento no tempo de contribuição, de modo que o trabalhador poderá se aposentar. No exemplo, se o servente tiver média salarial baixa, esse índice divisor poderia ser 0,5. Como 15 dividido por 0,5 dá 30, a soma (30 + 65) resulta em 95. Para o médico com salário alto, o índice seria 1.

O que se sr. propõe é uma forma de distribuir renda.

Eu quero “premiar” esse trabalhador hipossuficiente. Ele já passa a vida sem casa própria, comendo mal, no andar de baixo. A Previdência Social tem como essência a solidariedade das gerações. Quem trabalha hoje paga o benefício de quem trabalhou lá atrás. Mas existe também uma solidariedade das classes sociais. A previdência privada não é assim, ela é particular. A social, sim, e a sociedade é desequilibrada. Essa fórmula é uma tentativa de se fazer equilíbrio social. Quem vai pagar essa conta? A classe média, os ricos. É assim no mundo inteiro, é assim que tem que ser.

O sr. acredita que assim esse índice como o sr. apresenta seria mais fácil de ser aprovado, inclusive pelas centrais sindicais, já que ajuda os mais pobres?

Acontece que tem a questão matemática. Eu escrevi isso várias vezes, mas nunca deram bola. Liderança sindical estuda direito do trabalho, e não direito previdenciário. Não defendem essa tese possivelmente porque não a conhecem. E quando se fala em matemática, você perde a comunicação.

Pela sua fórmula, o trabalhador teria o benefício integral?

Não. Ela é determinante para o direito à aposentadoria. Para o valor, entra o fator previdenciário atual, que é uma correlação entre o tempo de contribuição e a idade ao se aposentar. Se você pagou por pouco tempo à Previdência, tem que receber pouco. Se pagou mais tempo, tem que receber mais. Não tem muito sentido falar em acabar com o fator previdenciário.

Se uma nova fórmula fosse aplicada, possivelmente valeria só para novos trabalhadores, e não para aqueles que já estão no mercado ou prestes a se aposentar. O impacto no deficit previdenciário, cujo rombo foi de R$ 56,7 bilhões em 2014, seria pouco ou quase nada agora.

Eu não acho que tenha deficit. Bastaria o governo pegar o dinheiro que repassa para outros pagamentos e deixar tudo na Previdência.

O sr. tira a seguridade social da conta…

O que há é transferência de recursos. E a aposentadoria rural não é a vilã. O rural contribui ao INSS desde 1991, e seu trabalho vale muito mais do que o do urbano. Você passa sem um telefone, mas não passa sem comida. O rural, portanto, é essencial para a subsistência de todos. E eu considero que a minha fórmula também deve valer também para o trabalhador rural.

O sr. é um dos primeiros a falar em desaposentação, ou troca de aposentadoria. Ainda defende a tese?

Sim, e acho que quem trocar de benefício precisa restituir parte do que recebeu, de acordo com sua expectativa de sobrevida. E se morrer, a viúva pensionista paga. Acho que o Supremo Tribunal Federal, onde está o processo, vai exigir a devolução porque alguém da Previdência vai lá falar no ouvido dos ministros.

E tem outra coisa que precisa ser considerada. Quem é esta pessoa que se aposentou cedo e continuou trabalhando? Um dos motivos que leva a isso é a complementação de renda. Outro motivo pode ser a demissão. O que precisa acontecer é a aposentadoria ocorrer mais tarde. E para isso, as empresas têm que se preparar para receber os trabalhadores mais velhos.

O sr. também considera haver um problema na perícia médica para concessão de benefícios por incapacidade.

É que todo mundo procura o INSS para resolver seus problemas. Surgiu um fenômeno interessante de uns anos para cá: o sujeito desempregado, e não incapaz, que vai ao INSS pedir auxílio-doença porque não tem como obter a sua subsistência. O médico não pode dar o benefício, porque o trabalhador não está incapaz. E isso acaba gerando estresse nos postos, com pressão contra os médicos peritos. Hoje se um segurado vai ao INSS dizer que não pode trabalhar porque o ar condicionado da empresa ora é muito frio, ora é muito quente, e lhe causa gripe o tempo todo, o perito deveria ir lá verificar. Isso não acontece. Tem uma série de coisas que precisa melhorar.

Fonte: Folha[:]

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