[:pt]Falta de legislação específica impede rigor nas punições [:]

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Por Guilherme Meirelles e Roseli Loturco

O sistema jurídico brasileiro está passando por uma fase de reformulação de seu conjunto de leis, com normas mais específicas, que tipificam determinadas formas de crime. É, por exemplo, o que se pode observar na Lei 12.486/2013, conhecida como Lei Anticorrupção, que tem foco total na responsabilização administrativa e civil de empresas que praticam atos lesivos contra a administração pública. Mas, no caso da figura do Devedor Contumaz, ainda há “um vácuo legal”, na opinião do advogado tributarista Hugo Funaro. “Os mecanismos tradicionais são insuficientes.

Alguns Estados estão lançando mão de regimes diferenciados, mas isso funciona como pescar com rede. Pegam junto tanto grandes devedores como os devedores contumazes”, afirma. A exceção é o Estado do Rio Grande do Sul, que em 2011 regulamentou o tema pelo Decreto 48.494 a Lei 13.711, que considera devedor contumaz quem deixar de recolher oito ou mais débitos no período de 12 meses, tiver créditos tributários inscritos na Dívida Ativa em valor superior a R$ 500 mil, decorrente de imposto não declarado em 12 meses, ou que ultrapassem 30% do patrimônio ou 25% do faturamento anual. Uma vez classificadas como devedores contumazes, as empresas entram em um regime diferenciado de cumprimento de suas obrigações tributárias.

Entre as sanções previstas estão a antecipação de prazos de recolhimento do ICMS e a revogação de sistemas especiais de pagamento. A empresa passa ainda a sofrer fiscalização ininterrupta e deve apresentar ao Fisco informações da atividade. Porém, ainda há um clima de “insegurança jurídica”, diz o procurador. A lei foi contestada no próprio Estado por uma distribuidora de bebidas, que alegou inconstitucionalidade, por atentar contra a “livre iniciativa”. O recurso foi derrotado no Tribunal de Justiça. “Vencemos devido ao voto de desembargadores que não eram ligados às áreas tributária e administrativa”, afirma Cristiano Xavier Bayne, procurador­geral adjunto­Assuntos Administrativos do Rio Grande do Sul.

A lei sofreu nova investida, no Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, impetrada pelo Partido Social Liberal (PSL). Em sua defesa, o PSL alega que o assunto está definido por meio de três súmulas do STF (súmulas 70, 323 e 547), que não condicionam o não pagamento de tributos a sanções que impeçam a atividade da empresa. Porém, em pareceres recentes do ex­ministro Joaquim Barbosa e do ministro Ricardo Lewandowski, já há o questionamento desta interpretação. “A liberdade de iniciativa não é absoluta”, defende Lewandowski.

Para o advogado tributarista Hamilton Dias de Souza, a posição de Barbosa e Lewandowski sinaliza ambiente positivo para mudanças. Para normatizar a questão, Souza (com apoio do ETCO) defende a aprovação no Congresso de lei complementar ao artigo 146­A da Constituição, que define critérios para fiscalização e recolhimento de tributos. “Haveria assim equilíbrio na livre concorrência, que hoje é afetada pela postura dos devedores contumazes, que usam não pagamento de tributos para ter vantagens competitivas”.

Segundo o advogado Luciano Godoy, professor de FGV Direito, os setores mais atingidos em caso de uma lei específica seriam os de altas taxações e consumo imediato, como combustíveis, bebida, tabaco e setor farmacêutico. “Hoje, a percepção é que o sistema penal não os intimida”.

Para o juiz federal Fernando Marcelo Mendes, presidente da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul (Ajufesp), o quadro atual causa frustração entre os magistrados. “O não pagamento de ICMS deveria gerar uma responsabilidade penal”, diz. No meio jurídico, o caso mais emblemático da ação do Judiciário ocorreu na década passada, quando o STF ordenou a paralisação das atividades e a cassação do registro da empresa de tabaco American Virginia. O motivo foi o não pagamento do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI). O valor acumulado da dívida superava R$ 1 bilhão.

Fonte: Valor[:]

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