Setor jurídico do governo vê relação entre ano eleitoral e processos que solicitam mudanças em cálculo de correções
BRASÍLIA – A proliferação de ações que pedem a mudança no índice usado nas correções do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) é motivada por uma “politização” do caso em um ano de eleições, disse ao Estado uma autoridade jurídica do governo.
“Esse cenário potencializa a proliferação de ações e muitos trabalhadores, movidos pela expectativa de ganhos e instigados por sindicatos e escritórios de advocacia (a chamada ‘indústria da indenização’), sucumbem aos factoides e não se dão conta de que as postulações são juridicamente infundadas”, garantiu a fonte.
Na semana passada, o partido Solidariedade, presidido pelo deputado federal Paulinho da Força (SP), protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a troca da TR (Taxa Referencial) como índice de correção do fundo. No lugar entraria um índice de preços, como INPC ou IPCA.
O saldo do FGTS é atualizado todo dia 10 de cada mês, respeitando a fórmula de 3% ao ano mais a TR. Mas as milhares de ações na Justiça questionam que o atual modelo de correção não tem conseguido nem repor a inflação.
Pelas contas do Solidariedade, os trabalhadores deixaram de ganhar 88,3% do saldo corrigido pela TR, desde 1999. Até então, a TR acompanhava os índices de inflação, mas o Banco Central naquele ano passou a aplicar um fator redutor que diminuiu a remuneração do fundo. Paulinho da Força definiu a perda total para todos os trabalhadores, estimada por ele em R$ 300 bilhões, como o “maior roubo da história do País”.
Outra simulação, do FGTS Fácil, organização não governamental que presta auxílio aos trabalhadores, aponta que um trabalhador que tinha R$ 10 mil em 1999, e não teve mais nenhum depósito desde então, teria agora R$ 19.971,69 pela atual regra. O valor subiria para R$ 40.410,97 caso o reajuste considerasse os 3% anuais mais a correção da inflação pelo INPC, uma diferença de mais de 100%.
Há duas semanas, a Defensoria Pública da União (DPU) também entrou no debate e ajuizou uma ação civil pública na Justiça do Rio Grande do Sul pedindo que a correção do FGTS seja alterada para melhor refletir a perda do poder de compra. O juiz da 4ª Vara Federal de Porto Alegre, Bruno Brum Ribas, já decidiu que as resoluções ao longo desse processo terão validade em todo o País. Na avaliação do magistrado, é preciso reconhecer o alcance nacional da questão “sobretudo pela inquestionável proliferação de demandas da espécie já há alguns meses em todo o País”.
Inconsistência. No governo, porém, há convicção de que as ações ajuizadas são inconsistentes juridicamente. Por isso, a Advocacia-Geral da União (AGU), o Banco Central (BC) e a Caixa Econômica Federal vão recorrer ao STF também contra a ação do partido. “A questão resume-se a um embate entre texto expresso de lei e jurisprudência largamente dominante, de um lado, e, de outro, politização do tema, indústria da indenização e ativismo pontual de alguns poucos juízes”, afirmou a fonte, com base no histórico dos julgamentos.
A Caixa Econômica Federal, que administra o fundo, informa que há 48.246 ações na Justiça contestando a correção. Destas, 22.798 já tiveram uma decisão a favor do banco e 57 desfavoráveis, segundo dados atualizados até terça-feira, 19. As demais ainda estão em trâmite.
Contra o BC foram ajuizadas 203 ações individuais, das quais 100 foram julgadas com êxito para a autoridade reguladora.
Para o governo, o êxito das ações tem sido inexpressivo porque o Judiciário “entende a necessidade de compatibilizar o direito individual dos trabalhadores com direitos sociais realizados com recursos do fundo”. Será usado como argumento o fato de que os recursos do FGTS são aplicados em políticas públicas de acesso à moradia com juros subsidiados. Os contratos dos mutuários que adquirem os imóveis com os saldos do FGTS também são corrigidos pela TR, ou seja, há um paralelismo entre os investimentos feitos com verbas do fundo e sua remuneração, pelo argumento oficial. Nessa linha, a substituição da TR causaria “insegurança jurídica” porque abriria caminho para que revisão de todos os contratos de financiamento com recursos do FGTS (além da aquisição de moradias, o financiamento estudantil, por exemplo).
O cálculo da TR segue a metodologia determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Segundo o governo, a TR foi concebida para viabilizar a desindexação da economia brasileira. A mudança do índice de correção do FGTS só pode ser feita pelo Congresso. O Projeto de Lei do Senado 193/2008 que pretendia substituir a TR pelo IPCA para a correção dos depósitos do FGTS não foi aprovado pelos parlamentares.
O ministro Luís Roberto Barroso foi escolhido para ser o relator da ação apresentada à corte pelo Solidariedade. O colega Luiz Fux, quando atuava como ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu a favor do uso da TR para a correção dos depósitos do TR e contrário à intenção de se usar a Selic para corrigir os débitos de empresários que não recolhiam o FGTS.
Fonte: Estadão