Não há razão para otimismo no acordo entre Mercosul e UE

O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou em Washington ter constatado maior interesse dos europeus em avançar com as negociações para implementar o acordo comercial entre União Europeia (UE) e Mercosul, fechado em 2019. A reação europeia é compreensível diante da crise nas cadeias de suprimento de alimentos e combustíveis, resultado da pandemia e da invasão da Ucrânia pela Rússia. Mas é desaconselhável qualquer otimismo com essas negociações enquanto Jair Bolsonaro estiver no Planalto. Para os europeus, ele se tornou o símbolo da política de “liberou geral” na Amazônia para os madeireiros e garimpeiros ilegais.

Para entrar em vigor, o acordo precisaria ser aprovado pelos parlamentos Europeu e dos 27 países da UE. Convencê-los não será tarefa fácil para um presidente que concluirá o mandato tendo permitido que o desmatamento da Amazônia crescesse mais de 50%.

Todo o planeta conhece o esforço de Bolsonaro pelo afrouxamento da legislação ambiental — a proverbial “boiada” do ex-ministro Ricardo Salles — e o desmonte promovido nas estruturas de fiscalização e punição de crimes ambientais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Impossível esconder o desmatamento dos satélites do mundo todo.

O descaso patente com o meio ambiente se reflete também nas declarações absurdas sobre o tema. “Onde existe muita floresta há muita pobreza”, afirmou o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, na COP26, em Glasgow. Essa visão estapafúrdia serve de salvo-conduto para a exploração ilegal da Amazônia, em nome de um conceito de liberdade que não considera o bem coletivo, tampouco a Constituição, onde está prescrita a preservação do meio ambiente e dos povos indígenas.

Bolsonaro foi avisado antes da posse de que o Brasil enfrentaria problemas se seu discurso contra a “indústria das multas” e as ações de fiscalização ambiental fosse posto em prática. Mesmo assim, foi adiante e fez o que pregava. O Brasil, de voz forte e decisiva nos fóruns ambientais, tornou-se um pária.

O lobby do agronegócio europeu pressiona seus governos a adiar ao máximo o acordo, pois o Mercosul reúne dois grandes produtores mundiais de grãos e carnes, Brasil e Argentina. A produção mais moderna hoje se estende a lavouras como o algodão, em fazendas que aliam a tecnologia mais avançada às normas mais rigorosas de preservação. O Brasil pode competir — e os europeus temem a concorrência. Com o incentivo à devastação da Amazônia, Bolsonaro favorece o interesse europeu, em detrimento da moderna produção nacional.

O lobby contrário ao acordo argumenta que as exportações agrícolas do Brasil para a Europa prejudicam as metas de redução de emissões de carbono. Na verdade, o que prejudica o meio ambiente é deixar a Amazônia à mercê das motosserras. Há muita terra a cultivar sem a necessidade de derrubar uma árvore sequer. A persistir a devastação, o efeito no regime de chuvas trará enorme desvantagem ao Brasil.

Restabelecer políticas que já reduziram o desmatamento antes de Bolsonaro aproximará o Mercosul de um dos maiores mercados consumidores do mundo. Manter o atual desvario significa dar munição aos lobbies europeus contrários ao acordo. É o que Bolsonaro tem feito — e Guedes deveria saber.

Fonte: O Globo

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