O ICMS na conta de energia



Por Marcelo Hugo de Oliveira Campos

Em tempos de ajuste fiscal, a tributação é posta à evidência mais uma vez. As distorções do sistema tributário ganham destaque e a busca pelo amparo do Poder Judiciário tende a aumentar consideravelmente. Em meio a tantas batalhas travadas no Judiciário, o contexto econômico atual torna ainda mais relevante a discussão acerca da aplicabilidade do princípio da seletividade, em razão da essencialidade, ao ICMS.

Havendo alíquotas diferenciadas de ICMS, poderia os Estados instituir alíquotas maiores para bens essenciais à sociedade, como a energia elétrica e serviços de comunicação, em comparação com outros produtos, supérfluos, como bebidas e cosméticos? A resposta, estampada no art. 155, §2º, inc. III, da Constituição Federal é negativa.

Há de ser observado o princípio da seletividade em razão da essencialidade, para se onerar menos os bens e serviços mais essenciais Segundo o referido dispositivo, o imposto poderá ser seletivo em razão da essencialidade. Conquanto diga­-se “poder”, a disposição traz uma verdadeira imposição aos Estados e o Distrito Federal. Se há previsão no texto constitucional, e uma vez adotado alíquotas diversas para produtos diversos, há de ser observado o princípio da seletividade em razão da essencialidade, para se onerar menos os bens e serviços mais essenciais à sociedade. Como ensina o professor Roque Antônio Carraza, “quando a Constituição confere a uma pessoa política um ‘poder’, ela, ipso facto, lhe impõe um ‘dever’.

É por isso que se costuma falar que as pessoas políticas têm poderes deveres” (ICMS, 13ª Ed. p. 439). No ponto, cabe relembrar que o fornecimento de energia elétrica e os serviços de comunicação são considerados serviços essenciais à coletividade pela Lei nº 7.883, de 1989, art.10. O que se observa na prática, contudo, é uma verdadeira distorção desse princípio, gravando-­se pesadamente, com o ICMS, o fornecimento de energia e serviços de comunicação. Basta citar o Estado do Rio de Janeiro que fixou a alíquota de ICMS sobre energia elétrica em 25% e, acrescido do adicional destinado ao fundo de combate à pobreza de 5% chega a um total de 30% ­ considerando­-se que o imposto compõe a sua própria base de cálculo, chegamos a uma alíquota efetiva de aproximadamente 33%, mesma alíquota sobre perfumes e cosméticos.

A alíquota sobre cervejas e chope, por outro lado, é de 20%. Diante de tamanha inconstitucionalidade, as empresas buscaram o amparo do Poder Judiciário, tendo o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ­RJ) declarado a inconstitucionalidade da alíquota majorada de 25% incidente sobre a energia e os serviços de comunicação, assegurando-­se, ainda, o direito à restituição da diferença recolhida a maior nos últimos cinco anos. Segundo aquele tribunal, deve ser aplicada a alíquota geral do Estado, de 17%. Tratando-­se de decisão tomada em sede de arguição de inconstitucionalidade (0021368­90.2005.8.19.0000 e 0029716­92.2008.8.19.0000), deverá ser aplicada aos casos idênticos que forem levados à apreciação do Poder Judiciário daquele Estado.

Importante ressaltar que, em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi provocado a se manifestar sobre essa decisão, oportunidade em que a 2ª Turma, por unanimidade, entendeu que “a capacidade tributária do contribuinte impõe a observância do princípio da seletividade como medida obrigatória, evitando­-se, mediante a aferição feita pelo método da comparação, a incidência de alíquotas exorbitantes em serviços essenciais” (recurso extraordinário nº 634.457 AgR, 05 de agosto de 2014). Esse entendimento pode sinalizar a posição final do Supremo que será dada nos autos do Recurso Extraordinário nº 714.139, com repercussão geral reconhecida, e cujo posicionamento vinculará os demais órgãos do Poder Judiciário em todo o país. Importante ressaltar que o parecer do procurador ­geral da República, nesses autos, opina pela declaração de inconstitucionalidade das alíquotas incidentes sobre energia elétrica e serviços de comunicação maiores que a alíquota geral do Estado. Segundo parecer assinado pelo procurador ­geral Rodrigo Janot, “uma vez feita a opção do legislador estadual pelo princípio da seletividade, passará, por lógica, a ser obrigatória a utilização do critério de comparação em virtude da essencialidade dos bens e serviços.

Os mais essenciais deverão ser submetidos a alíquotas menores do que as destinadas aos supérfluos. As alíquotas devem ser inversamente proporcionais à essencialidade”. Não há dúvidas de que o Poder Judiciário tem contribuído para uma significativa redução de carga tributária das empresas, notadamente em tempos de economia debilitada em que o ajuste fiscal estrangulará todas aquelas que não fizeram valer os seus direitos. Marcelo Hugo de Oliveira Campos é sócio do escritório Henriques Advogados, diretor do Instituto Mineiro de Direito Tributário, especialista em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet). Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

Fonte: Valor Econômico

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