O novo CPC e o processo administrativo fiscal

 

Por Luís Eduardo Garrossino Barbieri

O artigo 15 do novo Código de Processo Civil (CPC) ­ Lei nº 13.105, de 16 de março ­ inovou ao estabelecer que, na ausência de normas que regulem os processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, “as disposições deste código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”. Desse modo, na esfera do direito tributário, quando a legislação específica (Decreto nº 70.235, de 1972, Decreto nº 7.574, de 2011 e Lei nº 9.784, de 1999) não tratar suficientemente sobre determinada matéria processual administrativo­ tributária, o intérprete, na aplicação da norma, está autorizado a integrá­-la com os dispositivos normativos prescritos no CPC. Neste artigo, destacaremos duas matérias para as quais vislumbramos a aplicação do citado dispositivo: as normas do código relacionadas às provas (artigos 369 a 484) e as diretrizes trazidas sobre o princípio do devido processo legal e seus corolários.

As decisões administrativas poderão ser fundamentadas com base em dispositivos do CPC Registre-­se que as normas processuais do CPC de 1973 relacionadas às provas já eram aplicadas no dia a dia dos tribunais administrativos em decorrência da lacuna existente na legislação processual administrativa, contudo não havia ainda dispositivo expresso autorizando sua aplicação também a esses processos. Daí a relevância do artigo 15.

Com isso, as decisões administrativas na esfera tributária poderão ser fundamentadas com base nos dispositivos do CPC em questões, tais como: emprego de todos os meios para provar a verdade dos fatos, ou seja, um sistema aberto para produção das provas (artigo 369); utilização da prova emprestada (artigo 372); regras para distribuição do ônus da prova (artigo 373); uso da ata notarial como meio de prova (artigo 384), por exemplo, para trazer aos autos elementos de prova obtidos de um site ou e-­mail extraído da internet; a forma de utilização do documento eletrônico (artigo 439); as regras inerentes ao deferimento, rito, forma, utilização e valoração da prova pericial (artigos 464/480), entre outras matérias. Importante destacar ainda que o CPC trouxe nova regulamentação no tocante ao “onus probandi” (artigo 373, parágrafos 1º, 2º e 3º), prescrevendo que poderá o juiz atribuir o ônus de provar de modo diverso ao que tradicionalmente dispunha o código anterior (ao autor, quanto ao fato constitutivo; ao réu, quanto aos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos), em casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa. A conferir a viabilidade e efetividade da aplicação desse dispositivo no processo administrativo tributário. Em relação ao devido processo legal, a matéria já estava satisfatoriamente prevista na própria Constituição Federal de 1988 (artigo 5º, diversos incisos).

Contudo, o citado artigo 15 veio espancar qualquer dúvida a respeito da aplicação dessas garantias processuais também ao processo administrativo. Destarte, o contribuinte na discussão de um lançamento de ofício tem o direito de que sua demanda seja regulada e discutida em rito processual preestabelecido em lei, com todas as garantias constitucionais existentes, agora reforçadas e acrescidas pelas disposições do novo CPC, e, por fim, obter uma decisão justa emanada de um órgão estatal imparcial ­ administrativo ou judicial.

Um Estado Democrático de Direito, que tem por fundamento a existência do devido processo legal, deve respeitar as seguintes garantias processuais, entre outras: o tratamento paritário das partes no processo (artigo 5º, caput, da CF; artigo 7º do CPC); o atendimento ao princípio da legalidade processual (artigo 5º, II da CF; artigo 8º do CPC); a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem (artigo 5º, X); a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações de dados e telefônicas, reguladas na forma da lei (artigo 5º, XII); o direito de petição (artigo 5º, XXXIV); o julgador natural (artigo 5º, XXXVII e LIII); o devido processo legal (artigo 5º, inciso LIV); o contraditório e a ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes (artigo 5º, LV, da CF; artigos 7º, 9º e 10º do CPC); a proibição de provas obtidas por meios ilícitos (artigo 5º, LVI); a publicidade dos atos processuais, inclusive dos julgamentos (artigo 5º, LX, e 37, caput, da CF; artigos 8º e 11º do CPC); a razoável duração do processo (artigo 5º, LXXVIII/CF; artigo 4º do CPC); a motivação das decisões (artigo 92, IX/CF; artigo 11 do CPC); princípio da boa­fé processual, aplicável às partes e ao julgador (artigo 5º do CPC); princípio da eficiência ou economia processual (artigo 37, caput, da CF; artigo 8º do CPC) etc.

O descumprimento desses princípios e regras no processo administrativo tributário pode resultar na invalidade do ato administrativo de lançamento por cerceamento ao direito de defesa do contribuinte, caso reste demonstrado o prejuízo à parte (pas de nullité sans grief). A princípio todos os lançamentos gozam de presunção relativa de validade, desde seu ingresso no ordenamento jurídico. Essa presunção deve ser compreendida como uma forma de dar estabilidade e segurança às relações jurídicas existentes entre o Fisco e os contribuintes.

Contudo, se por um lado o lançamento deve ter esse atributo de presunção relativa; por outro, deve­-se garantir o seu controle, inclusive no processo administrativo, respeitando­-se o devido processo legal e seus corolários. Esse é o “preço” que os cidadãos devem pagar para viver em sociedade, onde os conflitos (incluídos os tributários) devem ser resolvidos e regulados por alguma estrutura de Estado, que possa se sobrepor ao interesse exclusivo dos demandantes, sejam eles contribuintes ou Fisco. Nos Estados absolutistas a vontade do monarca, que se investia na vontade divina, era inquestionável. Certamente, não pretendemos retornar a essa época! Luís Eduardo Garrossino Barbieri é especialista em direito tributário pelo IBET ­ SP e em derecho aduanero pela Universidade de Valência ­ Espanha e mestre em direito tributário pela PUC­SP, auditor ­fiscal da Receita Federal e professor de curso de especialização na PUC ­Campinas Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte: Valor

 

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