O pesadelo da não cumulatividade do PIS

 

Por Marcello Maurício dos Santos

Até meados de 2002, uma das principais bandeiras defendidas pelos empresários brasileiros era o fim da cumulatividade das contribuições do PIS e da Cofins. Diversos estudos demonstravam o quanto a incidência em cascata desses tributos prejudicava a economia brasileira, distorcendo os preços dos produtos e serviços. Já naquela época o governo criara mecanismos, como o crédito presumido do IPI para ressarcimento do PIS e da Cofins, aplicável aos exportadores, para tentar minimizar esses efeitos, principalmente no tocante aos produtos exportados, que sofriam com a composição do custo do PIS e da Cofins que incidira de forma cumulativa por toda a cadeia produtiva.

Assim, eis que no dia 1º de dezembro de 2002 entravam em vigor os artigos da Medida Provisória nº 66, que havia sido publicada em agosto de 2002, instituindo o regime não cumulativo do PIS, defendido por muitos como a solução para a cumulatividade que assombrava a classe empresarial brasileira. Uma saída poderia ser a permissão para o contribuinte optar pelos regimes cumulativo e não cumulativo por todo o ano ­calendário Ocorre que a chamada não cumulatividade do PIS, tão requerida pelos empresários até a sua implantação, tornou-­se um verdadeiro pesadelo para uma grande parte do empresariado, resultando, em muitos casos, na busca pela manutenção das suas atividades no regime cumulativo.

Um setor onde esse fato é notório é o da prestação de serviços, pois na sistemática de apuração da não cumulatividade imposta pelas autoridades tributárias, onde a apropriação dos créditos ficou limitada a um conceito muito restrito de insumo, a não cumulatividade teve como efeito prático um elevado aumento da carga tributária no tocante a essa contribuição. Mesmo o setor industrial sofre com a sistemática não cumulativa, haja vista a insegurança em torno das aquisições geradoras do direito ao crédito, que resultaram na publicação, pela Receita Federal, de centenas de soluções de consultas.

Estas, por sua vez, pela subjetividade aplicada à matéria, já geraram diversas soluções de divergência, que mesmo assim não conseguem esclarecer as dúvidas dos contribuintes sobre o tema. Tal dúvida teve como origem a tentativa das autoridades tributárias em aplicar, para fins de apropriação do crédito do PIS, um conceito de insumo previsto para o IPI, um tributo que tem como base de cálculo a saída de produtos, diferentemente da contribuição do PIS não cumulativo, cuja base de cálculo é a receita.

Uma alternativa para minimizar esse impacto gerado a todos os setores da economia pelo aumento da alíquota, sem a possibilidade de créditos na mesma proporção, seria a revisão do conceito de insumo pelas autoridades tributárias, o que já começa a ocorrer nos julgamentos na esfera administrativa, que têm tratado como tal todos os custos que componham o preço do produto ou serviço e que tenham sido adquiridos de pessoas jurídicas e tributadas pelo PIS.

Contudo, infelizmente, não parece ser esse o caminho trilhado pelo governo, que tem debatido a questão da simplificação da apuração do PIS e da Cofins, com a transformação de ambas as contribuições em uma única, como se a complexidade na apuração através de duas contribuições fosse o principal mal que assola os contribuintes desses tributos. Para piorar a situação e os impactos aos contribuintes, em 31 de outubro de 2003 foi publicada a Medida Provisória nº 135, estendendo à Cofins o regime de apuração não cumulativa instituída em 2002 para o PIS, aumentado em alguns casos em praticamente 4,6% (diferença entre as alíquota da Cofins nos regimes cumulativo e não cumulativo) um efeito que até então era de 1% (diferença entre as alíquota do PIS nos regimes cumulativo e não cumulativo), ficando praticamente impossível encontrar algum motivo para comemorar.

Portanto, é mais do que hora de a Receita Federal do Brasil admitir um conceito de insumo para fins de tributação do PIS e da Cofins em consonância com a sistemática de tributação dessas contribuições, permitindo que o setor de serviços não seja punido, como ocorre na sistemática, haja vista que a legislação não permite a apropriação de créditos sobre o principal insumo do prestador de serviços, a mão de obra. Por fim, uma saída salomônica poderia ser a permissão para o contribuinte optar pelos regimes cumulativo e não cumulativo por todo o ano­ calendário, como ocorre, por exemplo, com a tributação do IRPJ e CSLL pelo lucro real ou lucro presumido.

Isso permitiria ao contribuinte enquadrar o regime de tributação do PIS e da Cofins (cumulativo ou não cumulativo) de acordo com a realidade econômica e tributária do seu ramo de negócio (indústria, comércio, serviços etc.), criando-­se um modelo onde jurídica e matematicamente se caminhe para a redução do efeito negativo dessas contribuições no preço final dos produtos e serviços.

Quem sabe, aí sim, teremos um motivo para comemorar. Marcello Maurício dos Santos é advogado tributarista do Nicoletti e Chiarottino Advogados Associados Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte: Valor

 

 

Comments

Open chat
Como posso te ajudar?