Parcelamento para empresas em recuperação



Por Edemilson Wirthmann e Fernanda M. Toniato

Mais uma vez o contrabando normativo, leia­se, a inserção de temas sem qualquer conexão com a origem de uma medida provisória (MP), produziu seus nefastos efeitos. A Lei nº 13.043, de novembro de 2014, estabeleceu, em seu artigo 43, uma nova modalidade de parcelamento fiscal, dessa vez destinado às empresas em recuperação judicial. A novidade ficou a cargo da inserção do artigo 10­A na Lei nº 10.522, a qual já dispunha sobre o parcelamento ordinário de dívidas fiscais federais. As condições estabelecidas pela nova lei são de parcelamento do débito em 84 parcelas mensais e consecutivas, com percentuais mínimos de 0,666% para as parcelas de 01 a 12; 1% para as parcelas de número 13 a 24; 1,333% para as parcelas de 25 a 83 e o saldo remanescente na 84ª parcela. Nossa impressão é de que a nova regra tentou cobrir a ausência normativa sem, contudo, ter resolvido o problema A conversão da Medida Provisória nº 651, de julho de 2014, que, em momento algum, fazia qualquer menção sobre tal parcelamento, foi “recheada” com essa previsão. Fenômeno comum na cultura legislativa brasileira, a inclusão de matéria estranha por emenda parlamentar, em tese, não é vedada pela nossa legislação, embora seja ética e moralmente questionável ­ se a intenção é fazer aprovar algum texto, deve­se aguardar o trâmite regular previsto constitucionalmente, não se podendo admitir a inserção de matéria completamente alheia a uma lei que já está tramitando com vistas a “cortar caminho”. Se, por um lado, a possibilidade de quitação do débito em mais parcelas do que no programa comum (60 meses) e a não necessidade do pagamento inicial do percentual de 5% a 20% do valor total do débito (como no Refis da Crise) tornam, em tese, mais vantajosa a adesão a tal parcelamento, por outro, a nova fórmula distancia­se de fato da realidade das empresas em recuperação judicial. Comparados os últimos programas de parcelamento extraordinários, vemos que a nova regra para as empresas em recuperação conseguiu ser mais severa que os mesmos.

O Refis da Crise (ou Refis IV), por exemplo, permitia o parcelamento dos débitos federais em até 180 (cento e oitenta) meses; o Paex (Refis III) previa o pagamento em até 130 (cento e trinta) parcelas; já o PEP, do Estado de São Paulo, permitiu o parcelamento dos débitos de ICM e ICMS em até 120 (cento e vinte) meses, sem a exigência de qualquer pagamento inicial. Cabe ressaltar que houve uma tentativa de “melhoria” do novo parcelamento, com a inserção do artigo 45 no projeto de conversão da Medida Provisória nº 656/2014, o qual previa o pagamento em 180 parcelas para empresas em recuperação, com o vencimento da primeira parcela somente 12 meses após a adesão, existindo também a possibilidade de utilização de créditos decorrentes de prejuízos fiscais e de base de cálculo negativa de CSLL para quitação dos débitos pendentes. No entanto, tal artigo foi vetado quando da conversão da MP na Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015, por ter sido considerado contrário ao interesse público, o que nos leva novamente à estaca zero.

Empresas em recuperação, por óbvio, encontram­se em situação econômico­financeira delicada, necessitando de uma melhor adequação do parcelamento às suas condições atuais para que superem a crise vivenciada. Nossa impressão é de que a nova regra tentou cobrir a ausência normativa sem, contudo, ter resolvido o problema. Uma porque a norma será utilizada apenas para satisfazer a obrigação legal (o art. 57 da Lei nº 11.101/05, exige apresentação de certidão negativa para concessão da recuperação judicial, até então era desconsiderado por omissão normativa); a outra, porque uma parte relevante do que seria sorvido por credores passa a ter fim certo: o Fisco; sem que este, como os demais credores privados, leve em consideração a realidade da empresa pós recuperação.

Antes que os fiscalistas mais exaltados invoquem a máxima de que o Fisco sempre terá o “dever” de buscar 100% do que for devido pela empresa em recuperação, ressaltamos: num passado não muito distante, parcelamentos extraordinários considerando volume faturado foram aplicados. Esse modelo, mesmo longe da perfeição, importaria em solução “contemplável” em planos de recuperação e, portanto, muito mais efetivo. Parcelar sem atentar para tais particularidades, em especial, a possível queda do faturamento das empresas em recuperação é riscar no mapa o caminho desejável e noutro o caminho possível, sabendo de antemão que os mesmos nunca se encontrarão. Num “turn around” legítimo, a empresa depara­se muitas vezes diante de um intrigante enigma: as dívidas fiscais, muitas vezes contraídas com uma realidade de faturamento muito maior, precisam agora se adequar ao resultado da nova empresa recuperada, sem que, contudo, se faça qualquer diferença entre a empresa pré e pós­recuperação. Uma saída que não atente para a mudança de cenário de uma empresa em crise que entra em recuperação judicial para uma empresa saneada que sai de recuperação judicial simplesmente “difere” o problema para um segundo momento. Sem intenção de encerrar o assunto, parece­nos que o melhor caminho seria o de um parcelamento que levasse em consideração a receita da empresa pós­recuperação, fixando, por exemplo, um percentual sobre esse novo faturamento. Dar as costas à realidade das empresas em recuperação, não elimina o problema e tampouco faz com as mesmas deixem de existir. Edemilson Wirthmann Vicente e Fernanda Morilla Toniato são sócios da Wirthmann Vicente Advogados Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte: Valor

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