‘Rebaixamento da nota é tragédia anunciada’, diz ex-presidente do BC

 

GIULIANA VALLONE
DE SÃO PAULO

rebaixamento da nota de classificação de risco do Brasil não é surpresa para o mercado, mas vai prejudicar a saída da economia do país do quadro recessivo.

A opinião é do ex-presidente do Banco Central, Carlos Langoni.

“Para sair da recessão, o país teria de contar com a retomada dos investimentos, principalmente em infraestrutura, e grande partes desses recursos viria do exterior”, afirmou. Leia os principais trechos da entrevista:

Folha – É uma surpresa a perda do grau de investimento?

Carlos Langoni – Eu acho que não há fator surpresa, essa é uma tragédia econômica anunciada. Nós sabemos que um dos critérios principais das agências de classificação de risco, principalmente após a crise econômica de 2009 e os problemas vistos em Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália, é o endividamento do setor público.

E o que temos aqui é o governo anunciando deficit primário neste ano e no próximo e, além disso, as previsões de crescimento sendo constantemente revisadas para baixo. Com isso, a relação da dívida líquida sobre o PIB [Produto Interno Bruto] vai continuar crescendo e ainda temos inflação alta, crescimento muito baixo. Nesse quadro, o rebaixamento era inevitável.

Quais serão os primeiros desdobramentos do novo grau especulativo?

O primeiro problema é que isso torna mais difícil a saída do quadro de recessão em que a economia brasileira se encontra “”e que já seria complicada por causa da situação política.

Para sair da recessão, o país teria de contar com a retomada dos investimentos, principalmente em infraestrutura, e grande partes desses recursos viria do exterior. A poupança doméstica é bastante limitada e, portanto, a participação do capital estrangeiro era fundamental. O rebaixamento limita ainda mais o acesso a esses recursos.

Os investidores já antecipavam a mudança na classificação? Ou a saída de recursos virá agora?

Embora não haja surpresa, o mercado nunca antecipa com muita precisão eventos importantes como esse. Ainda que tenha havido muita antecipação do rebaixamento, indicadores como câmbio e juros, devem sofrer deterioração no curto prazo.

A perda já estava precificada, portanto?

Pode ser que a pressão [sobre o mercado] seja menos intensa do que seria se não houvesse sinais de que isso aconteceria, mas a correção é inevitável. Até porque, muitos fundos soberanos e institucionais não vão poder mais fazer investimentos no Brasil, precisarão interrompê-lo até por causa de regras internas.

A pressão maior deve acontecer sobre o câmbio, talvez sobre juros. O clima jé é tenso e nervoso. Mais um ingrediente em cima de um ambiente incerto e tenso e esse é o problema.

Além de rebaixar o país, a S&P colocou a nota em perspectiva negativa. Podemos ver novo rebaixamento adiante?

A perspectiva negativa é o fator surpresa da notícia. Ela dá um sinal claro que de que é preciso agir. Se há um lado positivo do rebaixamento é aumentar a pressão sobre o governo para que se tome iniciativa para conter o deficit, que não é mais só cíclico, mas estrutural. Também é preciso que o Congresso se mobilize.

Não bastam mais medidas episódicas e eventuais, é preciso lidar com as questões estruturais do nosso deficit, despesas não-discricionárias, enfrentar a questão da Previdência. Vínhamos adiando o nosso encontro com a nossa realidade e agora chegou o momento de fazê-lo.

As outras principais agências, Moody’s e Fitch, devem acompanhar a S&P e também rebaixar o Brasil?

Parece bem provável que as outras agências acompanhem. A não ser que vejamos uma medida muito sólida e consistente do governo em relação à situação fiscal.

Ter uma proposta orçamentária sem projeção de deficit seria uma medida sólida?

Sim. Não se pode aceitar, numa economia sofisticada como a brasileira, a formalização e aprovação de um orçamento deficitário, não adianta justificar usando o argumento da transparência. Tivemos problemas sérios nos últimos anos, que vêm se acumulando, mas tem de ser enfrentados.

A crise da Grécia mostrou que, quanto mais você adia o ajuste, maior é o custo econômico e social. Se o governo anuncia ainda neste mês uma medida, como aumento da carga tributária, a elevação da Cide [Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico], ou até medidas que não precisem do Congresso, isso ajuda a demonstrar que não aceitará passivamente o deficit. É o início de um processo de reconstrução

Quanto tempo pode levar para que o Brasil recuperar o grau de investimento?

È importante chamar a atenção para o fato de que recuperar não é um processo simples. Recuperar a credibilidade do país, a sustentabilidade da política fiscal nos próximos três, quatro anos, não é tarefa fácil. Grau de investimento se perde rápido, mas se recupera de forma demorada.

A questão da previsibilidade é fundamental para a agência de risco. O governo anunciou uma meta de superavit primário, revisou depois de seis meses e depois apresentou orçamento com deficit. Ou seja, perdeu completamente qualquer previsibilidade.

O que vai ser definitivo para voltar ao clube dos bons pagadores é ter uma nova arquitetura, bem sólida, ancorada em medidas legislativas, reformas mais profundas. Isso sim vai dar confiança de que não haverá mais medida inesperada no meio do processo orçamentário.

O rebaixamento pode amenizar a crise política?

A experiência histórica mostra que o pragmatismo acaba vencendo as diferenças. O assunto é muito grave, estamos passando por um processo que tem custos econômicos sociais palpáveis: o o processo recessivo está prejudicando o mercado de trabalho e interrompendo a mobilidade social. É preciso que o Executivo e o Congresso trabalhem com um conjunto de medias que tire o país da situação perigosa.

  • RAIO-XCARLOS LANGONI

Idade: 71 anos

Formação: PhD em economia pela Universidade de Chicago (Estados Unidos)

Cargo: Diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. É membro do conselho de administração da Marfrig e presidente da Projeta Consultoria Econômica

Trajetória: Foi presidente do Banco Central entre 1980 e 1983

Fonte: Folha

 

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