Reforma fiscal pode levar país à guerra civil, diz secretário da Fazenda de SP


07/05/2013 – 03h00

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MARIANA CARNEIRO

DE SÃO PAULO

ANA ESTELA DE SOUZA PINTO

EDITORA DE “MERCADO”

É um conflito, é guerra. O tamanho das ameaças é muito grande”.

Foi dessa forma que o secretário de Fazenda de São Paulo, Andrea Calabi, começou a conversa com a Folha, na última sexta-feira.

Ele se referia às discussões da reforma do ICMS, no Senado e na Câmara, que devem prosseguir nesta semana.

A reforma do imposto provocará perdas ao longo das próximas décadas a alguns Estados, não a todos. E por isso é tão apaixonada.

Nesta entrevista, Calabi aponta preocupações no horizonte de São Paulo e também os riscos para a indústria brasileira.

*

Como está a reforma fiscal?

É tão grave para o Estado de São Paulo, que eu fico espantado com a baixa sensibilidade pública.

É barra pesada, é um conflito, é guerra. O tamanho das ameaças é muito grande.

É grave só pra São Paulo?

É grave principalmente para São Paulo. O grande perdedor é São Paulo, do ponto de vista da informalidade dos incentivos concedidos. Porque essa informalidade atribui créditos falsos, como se tivessem sido pagos noutro Estado. E que São Paulo paga.

O exemplo mais claro é de uma mercadoria, por exemplo, pela qual você pagaria R$ 100 de ICMS. Você transforma e exporta. A exportação é desonerada, não se paga ICMS, porque não se exporta imposto. Portanto recebeu crédito de R$ 100 [do ICMS pago na compra], industrializou e, na hora de exportar, chega aqui na nossa Receita e diz “me dá meu crédito”.

Aí eu faço uma auditoria e digo “não, você tem incentivo de R$ 50”. Então, eu reconheço o crédito de R$ 50, mas gloso os outros R$ 50, que você informou em uma declaração falsa. Você disse que pagou R$ 100, mas não pagou.

Então tem essa queda de braço: se o incentivo dado por um Estado é do dinheiro dele ou do dinheiro meu, digamos assim.

Zanone Fraissat – 23.abr.13/Folhapress



O secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, Andrea Calabi, que tenta evitar perdas na negociação sobre ICMS

E por que as perdas são principalmente de São Paulo?

Em primeiro lugar, porque ninguém paga os créditos fiscais, só São Paulo.

Como todo fisco, São Paulo não gosta de pagar, gosta de arrecadar.

O pagamento tem que ser examinado, auditado. Você é mais ágil na liberação de créditos quando eles se destinam a projetos de investimentos. Para pagar máquina e equipamento, eu deixo.

Em segundo lugar, São Paulo é grande. Portanto, quem honra os créditos é São Paulo.

Se mandar crédito contra um Estado pequeno, não tem como.

São Paulo é um terço do PIB nacional, 40% do valor adicionado industrial e é cerca de 60% a 70% do volume de vendas.

Então, São Paulo perde muito.

São os R$ 7 bilhões de que o governador Geraldo Alckmin falou à presidente Dilma?

Os R$ 7 bilhões é combinação da perda da emenda Delcídio mais a perda do comércio eletrônico.

Com ICMS, são R$ 2,344 bilhões no primeiro ano, mas depois sobe para R$ 4 bilhões, R$ 6 bilhões, R$ 5 bilhões ao ano.

São Paulo perde R$ 55 bilhões. O Brasil perde R$ 221 bilhões.

R$ 220 bilhões é quanto o governo federal terá que indenizar?

O ressarcimento previsto pela MP 599 é de R$ 8 bi ao ano. Nós entramos com uma emenda porque achamos que chega a R$ 12 bilhões.

O que aconteceu foi o seguinte. O ministro Mantega se reuniu com os governadores e fez uma proposta, e o Nelson Barbosa se reuniu com os secretários de Fazenda e fez uma proposta e trabalhou, que é essa aqui: as alíquotas iam todas para 4%, durante um certo período.

Nós do Sul e Sudeste discutimos quatro anos e o Norte/Nordeste/Centro-Oeste queriam oito anos.

Quando chegou ao Congresso, chegou com um monte de jabutis na árvore. Alguém botou eles lá.

Quais eram os jabutis?

Os 12% da Zona Franca e do gás. E a trajetória de redução da alíquota na venda de Estados emergentes para avançados teve uma esticada de quatro anos no diferencial de 7% [para produtos com origem em Estados emergentes) e 4% (para produtos com origem em Estados desenvolvidos]. Só depois de cinco anos, é que retoma a descendente.

Além de passar para oito anos, aumentou mais quatro: 12 anos. Esta diferença é cara. A assimetria é cara para São Paulo.

O total de perdas do Brasil na proposta de novembro era de R$ 192 bilhões, portanto achávamos que R$ 8 bilhões por ano dava. davam.

Para São Paulo, na versão de novembro, a gente até ganhava. Com a nova, a gente perde R$ 55 bilhões. Por causa do alongamento, mas, mais importante, por causa da assimetria de 7% e 4%.

É pior do que a atual?

Não, é um pouco menor. A assimetria atual é de cinco pontos, a de 7% e 4% tem três de diferença.

É melhor que a assimetria atual mas é pior do que uma alíquota de 4% para todo mundo, que, ao meu ver, acaba com a guerra fiscal.

Então por que o governador diz que é melhor então não fazer reforma, se o 7% e 4% reduzem a assimetria?

Porque o 7% e 4% ainda é assimetria, que permite guerra fiscal. Ainda permite uma série de fraudes e guerra fiscal. E o custo disso é R$ 8 bilhões ao ano do fundo de ressarcimento vezes 20 anos (R$ 160 bilhões) mais R$ 12 bilhões do Fundo de desenvolvimento regional (R$ 240 bilhões), o que dá R$ 400 bilhões, quase meio trilhão de reais.

O que o governador disse para a presidenta foi: “Vai gastar meio trilhão para ficar igual? É melhor não fazer nada. Gasta melhor esse dinheiro”. De fato é uma sandice.

Então é pior para a União fazer a reforma desse jeito?

Tem algumas considerações para que essa reforma seja boa. Os 7% e 4% são uma derrota do Sul e Sudeste em relação a teses defendidas por Norte, Nordeste e Centro-Oeste. E aí tem pouco o que fazer, tem que aprender engolir sapo.

Então vocês admitem a assimetria?

Admitimos os 7% e 4%, desde que se refira a projetos industriais.

Da mesma forma que na convalidação [validação de incentivos já concedidos].

Ou seja, você admite uma alíquota diferenciada com a finalidade de estimular os Estados menos desenvolvidos. Porque é correto que se descentralize a produção industrial e que se reduzam as diferenças interregionais de renda. Isso é uma obrigação nacional. E o projeto de desenvolvimento regional é de obrigação do governo federal, segundo a Constituição.

É correto que se montem sistemas que reduzam os diferenciais de renda e que estimulem investimentos nos Estados mais pobres e menos desenvolvidos.

Mas tem que ser para projeto industrial.

Por quê?

A questão de limitar ao industrial é limitar fraudes tipicamente comerciais e passeios de nota fiscal.

Tem crescido o número de autuações e fraudes?

Nós estimamos cerca de R$ 10 bilhões ao ano. Nós detectamos e auditamos cerca de R$ 2 bilhões, R$ 4 bilhões, e temos um estoque [montante de glosas, portanto autos de infração já feitos].

Ao fazer um auto de infração, precisa ter informações técnicas e objetivas. Temos R$ 15 bilhões de glosas de crédito derivadas de passeio de nota.

E tem um enorme número de autos, de benefícios inconstitucionais detectados, que nós já mandamos para o Supremo.

Parte dos benefícios é dado por decretos ou leis editados noutros Estados. Quando percebemos que há um decreto ou lei que dá benefícios sem aprovação do Confaz, isso é base de inconstitucionalidade.

O Supremo já declarou 14 casos ilegais, inconstitucionais. Temos mais 30 adins (ações diretas de inconstitucionalidade) no Supremo.

Portanto, se não passar essa reforma, o risco que todos os Estados correm, principalmente os pecaminosos, é ter uma súmula vinculante.

O diferencial de 7% e 4% ainda permite o passeio de nota. No entanto é menor, em primeiro lugar, e, em segundo lugar, de fato, é isso ou não é.

Então, vamos trabalhar a partir do fato. Mas há anomalias gritantes, que são os 12% da Zona Franca de Manaus e os 12% do gás.

Então são os 12% o problema atual da discussão?

Enormemente. O lucro líquido que a empresa tem como proporção do faturamento é de até 5%. Se você puder dar 5% de benefício lá, ela vai atrás do benefício fiscal.

O que está acontecendo no Brasil é uma desindustrialização galopante. O sistema de preços não funciona mais, o mercado não está mais operando.

Não é que a empresa é competitiva, consegue ter custo baixo e algum lucro, e portanto vende aquele produto. Às vezes, ela vende porque tem o incentivo fiscal.

As empresas estão plantando incentivo fiscal.

Na indústria automobilística, todo mundo sabe que a fábrica sai de graça. Investimentos de até R$ 3 bilhões que vem de incentivo fiscal. Até pouco tempo, era 100% da fábrica. Mas temos caso hoje, no Rio, de 250% do valor do investimento.

Uma montadora faz uma fábrica no Rio, logo depois da fronteira de São Paulo, recebem um financiamento do governo do Rio de 80% do ICMS devido, para ser pago em 50 anos, com 30 de carência.

Se fizeram investimentos de R$ 4,2 bilhões, o tamanho dos benefícios desse financiamento de 80% a perder de vista –portanto praticamente não precisa pagar– equivale a R$ 10,5 bilhões, que significa 250% dos R$ 4,2 bilhões do investimento.

Algum Estado que não tenha indústria automobilística pode dar incentivo para essa empresa. Quanto custa? US$ 1 bilhão. Mas, se ela não vier, eu só vou cobrar 2 tostões. Se não vier, nem 2 tostões. Portanto, vale a pena.

São Paulo não pode dar incentivo. Eu não dou para uma empresa, eu dou para um setor. Se eu der para uma, todas as outras que estão aqui há 40/50 anos vão dizer “e eu?”.

Teríamos que dar para o setor e dar para o setor é impossível, é muito caro.

Ou seja, o outro pode dar e eu não dou.

Além disso, quando chega aqui, chega com crédito falso.

Aliás, há uma anomalia interessante, a partir da lei Kandir, que diz “vamos deixar de cobrar o ICMS das exportações para deixá-las mais competitivas e a gente te ressarce”. Mas nunca ressarciu completamente.

São Paulo abriu mão de impostos de ICMS de exportação de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões por ano, e recebemos ressarcimento de R$ 400 milhões.

Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress



E a questão da Zona Franca?

Um ponto interessante é que essa mobilização política do Estado do Amazonas, que conseguiu de alguma forma que a presidente coloque os 12% para a Zona Franca –porque não estava na proposta técnica– acaba operando contra a Suframa.

Porque os Estados contíguos perceberam que, com tal benefício, se você tem 12%, pode mandar um crédito de 12%. Se você tiver 4%, só pode dar benefício dos 4%. Por que era 4%? Era consenso que todo mundo ia acatar 4%.

Não dá para ter um consenso de todo mundo acatar 7%.

Agora 12% é muito grande o benefício que você pode dar. Pode dar até 12%. Então, vai todo mundo vai para Manaus. Não tem mais espaço em Manaus.

Adicionalmente, é uma desigualdade nacional. A Zona Franca é a terceira maior renúncia fiscal do Orçamento da União.

Quais as outras duas?

A maior renúncia é do Simples nacional, dá cerca de R$ 30 bilhões por ano. E que beneficia 20 milhões de pequenas empresas. R$ 1.500 de renúncia por emprego.

A segunda maior renúncia são as isenções de IR, com saúde, educação etc., com R$ 22 bilhões.

A terceira é a Suframa, que são R$ 22 bilhões também. Para 100 mil postos de trabalho, o que equivale a R$ 220 mil por ano por posto de trabalho.

É uma loucura, é um absurdo. Se adicionalmente colocarmos essa alíquota de 12%, é um desequilíbrio.

Quem percebeu? Quem iria ter sua industrialização arrasada. Ia afetar o Brasil inteiro. A indústria no Brasil já está indo para o brejo, haja vista os deficits comerciais e de transações correntes. Há uma desindustrialização e desverticalização muito impressionantes, galopantes. Arrasadoras.

Ia tudo para lá, o benefício é muito grande.

As empresas vão pra lá porque o benefício é muito grande, as empresas vão para lá porque alavanca subsídios, não porque reduz o custo ou tem competitividade.

Quanto mais distante for o mercado consumidor, como São Paulo, maior é o custo de transporte. Então, pode dar benefícios e ir para Manaus para produtos com maior densidade tecnológica e peso relativamente menor. O máximo a que se chega é moto, não chega a carro.

Mas todos os que estão mais perto, começando pelos demais Estados na região Norte, passando por Maranhão, Piauí etc., estarão arrasados.

Quem estava brigando? Em primeiro lugar, o Pará. É uma assimetria, é um desequilíbrio de benefícios entre o Amazonas e o Pará. Historicamente já é, e se agravaria.

Em segundo lugar, Roraima, Rondônia, Amapá e Acre disseram não dá e pediram 12% também para as demais áreas de livre comércio.

São oito áreas de livre comércio. Então elas podem importar alguma coisa, maquila e vende para São Paulo, e traz um crédito de 12%.

A multiplicação dessas áreas é pior?

É muito pior para a indústria nacional, é pior para o desenvolvimento nacional.

Acaba a indústria, nós viramos duty-free. É ruim também para a Zona Franca de Manaus.

No meu entendimento, abriu um risco para a Suframa que ninguém conseguiu colocar a não ser ele. Foi um tiro no pé. Mas, quando o Romero Jucá entrou com a emenda que estendia para todas as áreas de livre comércio, ele não tinha como dizer não.

Disseram “É só para Amazonas? Para todos seus amigos, seu vizinhos, com quem ele tem a liderança não?”.

O Pará entrou com uma emenda contra, do senador Flexa Ribeiro, dizendo “se você me manda com 12% eu também quero te mandar com 12%”. Estranhamente só usou um com outro, mas não com o Sul.

As outras áreas de livre comércio podem mandar para todas os Estados.

Em todo caso, é uma enorme distorção, que se espraiou para outras áreas de livre comércio, que já são um horror há muito anos.

Essas zonas são um problema. Eu me lembro de quando estive no Ministério do Planejamento, a gente fixava a cota de dólar que cada área de livre comércio poderia importar. Especialmente quando o dólar tinha um ágio diferente, esse era o começo do benefício da Suframa. Eram cotas de importação pelo dólar oficial, que, portanto, limitavam o valor das importações.

Você dá uma cota de dólar, mas exigia alguma transformação industrial. Dizia “não venha aqui só maquilar, com incentivo federal, para exportar para o resto do mundo. Você tem que ter alguma transformação industrial, tem que ter emprego”. O benefício fiscal é da Suframa, de que eu reconheço a importância, é válido, eu justifico ao máximo. É um bom instrumento de desenvolvimento regional.

Mas, na tentativa de exacerbar esse instrumento, exagera, fica inconstitucional.

O justo, na sua opinião, seria ficar 7% e 4%?

Sim, como hoje é 12% e 7%, a Zona Franca fica com 12%. No mundo de 7% e 4%, fica com 7%.

O gás, no mundo de 7% e 4%, fica com 7%.

O gás paga no destino, então deveria pagar em São Paulo. No entanto, Delcídio do Amaral inventou uma “descida” jurídica do gás no MS para pagar ICMS lá.

A transportadora boliviana de gás vende para a BR Distribuidora do MS. O gás está lá no tubo e vem para São Paulo, mas a nota fiscal é emitida no MS e, portanto, paga ICMS lá.

É o maior pagador de ICMS do Estado.

Então, essas anomalias… O governo federal que contribua para dar o apoio ao Amazonas e ao Mato Grosso do Sul, que, por decisão explícita da proposta, julga que é importante dar.

Mas não pode dar de um jeito que destrói a indústria nacional, que já está bastante ameaçada.

O senhor falou em anomalias…

É atribuição do Senado a redução de alíquotas estaduais, mas estão dizendo “depende da Câmara criar o fundo de desenvolvimento”. Está subordinando atribuição do Senado, sua autonomia, à decisão da Câmara.

Há gente no Senado dizendo que isso não é normal, bem como na Câmara há quem diga que não se pode haver subordinação.

Caso perca, São Paulo pode questionar no STF a tramitação da lei?

Claro. Mas depende sempre da análise da PGE, claro.

Dado que no Senado São Paulo é minoria absoluta, não tem como ganhar essa batalha, certo?

Não tem. No voto não tem.

Então qual é a alternativa?

O convencimento da realidade nacional e defesa do Brasil, junto à presidente.

Eu acho que a última instância é a presidente.

E também por análises técnicas muito bem formuladas. O Nelson Barbosa, que dedica muito tempo ao tema, e o Mantega também, acompanham direitinho.

O Nelson Barbosa é um elemento que conhece analiticamente em detalhe todas essas questões no governo, mas evidentemente é uma questão do governo federal.

Eu acho que o governo federal deverá tirar esse jabuti que alguém colocou lá.

O jabuti são os 12%?

Sim.

São um bode na sala?

Não. Eles querem isso mesmo. Salvo esse impacto que esses 12% tiveram na emenda do Romero Jucá.

Mas essa é uma parte da questão. Porque na outra parte você tem toda a discussão sobre a unanimidade da decisão do Confaz e a quebra de unanimidade. O “não” é inaceitável, é guerra civil. Sem meias palavras. O Sarney diz que dá secessão.

A quebra da unanimidade para a remissão das dívidas, para a convalidação é razoável. Para a convalidação do passado, tem muito consenso, nem precisava de lei. Tudo o que pecou para trás tudo bem, mas há quem diga mas eu estou contratado a continuar pecando por mais 10 anos, 20 anos.

Bom, aqui onde tem base industrial e emprego, pode convalidar. No entanto, tem proposta para convalidar também o benefício comercial, que é aquele que permite o passeio de notas. E aí é mais complicado.

Esses R$ 15 bilhões que eu tenho de glosa viram pó. Também é difícil cobrar, fica enrolando na Justiça.

O senhor defende convalidar também para o futuro?

Somente para casos industriais.

No fundo, você convalida todos os benefícios dados até 30 de dezembro do ano passado e que valem até 30 de dezembro deste ano.

Em relação às dívidas, passa de IGP mais 6% para Selic ou IPCA mais 4%, o menor dos dois. Hoje iria para a Selic. A redução da taxa de juros reduz a velocidade de crescimento do estoque da dívida.

Mas o senhor está falando de rever o cálculo da dívida também para o passado?

Sim, para o passado.

Vocês falaram disso com a presidente?

Falamos.

E ela topou?

Não.

Ninguém quer rever o passado. Sem rever o passado dá?

Acho que dá pra pensar num desconto no estoque da dívida. Você pode abrir mão de um pedaço. O Tesouro tinha um crédito de 100 e fica com um crédito de 70. A dívida aumentou. Mas os Estados abatem os 30. Do ponto de vista de dívida líquida tanto faz.

No entanto, dar o desconto é insuficiente. Pode ajudar São Paulo, mas do ponto de vista do comprometimento não muda. A emenda do Eduardo Cunha está tendo o sentido de dar o desconto da dívida e dar o desconto correspondente no comprometimento.

Essa questão da dívida é muito importante.

Mas o desconto da dívida é um perdão? O governo abriria mão?

É uma mudança da dívida, uma redução, uma repactuação do contrato.

E a parcela de 13% cairia para quanto?

Depende do tamanho da dívida de cada um. No caso de São Paulo, não fizemos contas, mas, no chute, pode diminuir para 10%.

O senhor tem ideia de quanto isso abriria de recursos?

Os 13% são US$ 15,6 bilhões. Se baixar para 10%, são US$ 12 bilhões. É uma diferença de US$ 3,6 bilhões.

Concomitantemente há discussões de comércio eletrônico.

O custo do comércio eletrônico é o complemento dos US$ 7,1 bilhões.

Por que discutir o comércio eletrônico agora?

Porque passou pela CAE e está parado na Câmara, parado. Enquanto não houver uma solução, queremos que a discussão seja ampla, não só do comércio eletrônico. Há um custo enorme para São Paulo. O comércio eletrônico cresce R$ 5 bilhões ao ano. Neste ano, estamos estimando em R$ 31 bilhões. A Constituição diz de forma cristalina que a venda interestadual para não contribuinte (pessoa física) paga o ICMS na origem. Suponha que um produto normal, sem ser comércio eletrônico, que paga 17% de ICMS, vá para o Rio: ficam 12% em São Paulo e 5% no Rio. Quando vai para o Nordeste, ficam 7% em São Paulo e 10% lá. No comércio eletrônico, fica tudo em São Paulo.

Do jeito que está aumentando, fica injusto, porque o grosso das empresas de comércio eletrônico estão em São Paulo e no Rio. Os outros Estados querem compartilhar. Dizem que vão fazer barreira na entrada e, se não pagar 10% na entrada, não deixam entrar. Tudo bem, é justo, mas tem que ser no âmbito da reforma tributária geral. Passou pela CAE, na discussão da reforma tributária, e depois a reforma veio com os jabutis.

A estratégia da bancada de São Paulo vai ser discutir tudo em bloco?

Não só da bancada de São Paulo. Mas todas as peças estão no tabuleiro. É preciso mexer. E comércio eletrônico é uma delas. O fato é que, para São Paulo, a perda com o comércio eletrônico é muito grande no primeiro momento.

Por isso, o Estado quer incluir essa perda no ressarcimento no fundo, pois essa perda não estava contemplada.

Duras negociações com o Ministério da Fazenda. Eles aceitaram, mas só no âmbito da redução que estamos promovendo, de 12% para baixo. Ou seja, a primeira grande perda, de R$ 2,2 bilhões, no ano que vem, é passar de 18% para 12%. Ao partilhar, já perco ao passar de 18% para 12%, uma grande perda inicial que eles não querem ressarcir nem negociar.

E o problema aqui é que não é só comércio eletrônico, tem também showroom, venda com catálogo, venda não presencial.

E há outros não contribuintes, como bancos, construção civil não são contribuintes. Quando você vende um móvel para uma agência bancária em outro Estado, um arquivo de aço para Fortaleza, como ele é não contribuinte você paga os 18% aqui. E eles querem compartilhar também. Por isso o impacto é muito grande para São Paulo.

É a soma da perda com a redução da alíquota, mais a perda do comércio eletrônico que dá R$ 7 bilhões ao ano. E que é muito. A gente investe R$ 20 bilhões no máximo, menos do que a gente gostaria. R$ 7 bilhões é quase metade do investimento! E ainda tem o FPE, em que os Estados do Sul e do Sudeste têm uma parcela muito melhor.

É um horror. Também não dá pra estuprar São Paulo de forma impune. Há coisas complicadas e inconstitucionais. É grave a situação nacional, é grave. Essa questão está acabando com o Brasil. Estamos beirando guerra civil, estamos beirando causa de secessão a longo prazo.

Nós estamos desorganizando.

Por outro lado, a contraparte também é verdade: é uma enorme oportunidade. É um grande momento. As coisas estão na mesa, temos bons interlocutores no governo federal, temos bons trabalhos técnicos. Os Estados estão carentes de investimento.

Se houvesse uma política nacional de desenvolvimento regional, que falta, organizaria todos esses recursos. Hoje recebemos um senador aqui, a carência de estrutura é chocante, é muita coisa pra fazer: portos, aeroportos, estradas de ferro, saneamento, estradas. Temos dinheiro, temos engenharia, sabemos fazer.

Qual a possibilidade de os Estados do Sul e do Sudeste se articularem?

Estamos articulados. Todas as posições que levamos são unânimes. E temos outros junto: Pará. Distrito Federal. Pernambuco já tem gente entrando. Em Goiás, o Armando Monteiro, em seu discurso na CAE, foi muito razoável. O pronunciamento do Ronaldo Caiado na comissão mista.

São duas coisas: é um momento muito especial, muito importante. No meio de questões de competitividade que o Brasil está perdendo. Fizemos uma transformação do papel do Estado de produtor para regulador, e as agências regulatórias estão indo à breca. O bloco petróleo e gás está constrangido em sua capacidade de investimento, por causa do sistema, da partilha do pré-sal, da Petrobras, combinado com a demagogia de classe média que segura o preço da gasolina. Idem no sistema elétrico. A Eletrobras tinha um potencial de investir que foi absolutamente reduzido, por conta de tentar um preço mais barato de energia elétrica.

Essa sensibilidade com preços públicos se espalha, não aumenta preço de ônibus, de metrô. Constrange nossas agências regulatórias com preços de tarifas de água e saneamento, de pedágio.

Estamos falando aqui de governo federal?

Sim, mas no fundo há uma percepção, uma contradição. O governo federal não consegue investir tanto quanto pode ou quanto há demanda, portanto precisa contar com o setor privado.

Mas concomitantemente está desfazendo contratos, regras, fica inventando. Diz “pode investir em ferrovias que compramos toda a capacidade de carga”. Quem compra? A Valec? Por sete ou oito presidentes diferentes, você acredita? Nem a pau!

Aqui, em que temos grande experiência e base de honrar contratos, já todos ficam… porque não é só São Paulo, é Brasil.

Estamos contraditoriamente mostrando que precisamos mobilizar capital privado não só pra trazer recurso, mas capacidade de gestão, e ao mesmo tempo puxamos o tapete e criamos incertezas jurisdiscionais impressionantes, junto com a perda de competitividade.

O Brasil está sendo visto como intervencionista, sendo confundido com Argentina e Venezuela. O eixo andino é que é o queridinho dos mercados financeiros, mobiliza recursos para investimento. México, Peru, Colômbia, Chile. E nós contra. Todo mundo cresce 3%, 4% e nós, menos de 1%.

Os EUA estão recuperando sua competitividade industrial, com energia barata do shale gás etc. Mesmo na indústria automobilística, comparando com a China e o México. E nós estamos cobrando ICMS do gás a mais! Está desmoronando, esfarelando a competitividade brasileira.

Então agora a bola está no pé da presidente Dilma?

É muita negociação com o Ministério da Fazenda. O ministério foi importante para os resultados das negociações. No entanto, na hora que passou a bola no meio das pernas, deveriam ter fechado, defendido melhor.

Se a solução for desastrosa a alternativa é recorrer ao Supremo?

Sem dúvida. Já tem essa questão que está mobilizando os governadores todos. A ameaça de uma súmula vinculante é forte. Quando o Supremo declarou inconstitucional um determinado incentivo, todo o ICMS que deixou de ser pago deveria ser pago. Isso é um esqueleto de R$ 220 bilhões, se tudo o que está ilegal hoje tiver o ICMS do passado cobrado.



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