Por Claudia Safatle
Há muito em risco no país, hoje. Um deles é o de jogar fora todo o esforço de política monetária que foi feito de abril de 2013 para cá, quando a taxa básica de juros praticamente dobrou de 7,25% para 14,25% ao ano. A despesa do orçamento com juros é de quase 8% do PIB.
Segundo dados oficiais chegou a 7,92% do PIB em doze meses até julho último. Houve, portanto, um substancial aumento desse gasto em relação aos 4,85% do PIB de igual período de 2013 para o Banco Central conseguir com seus erros e acertos domar a inflação em meio a uma forte correção de preços relativos e ter como meta o IPCA de 4,5% em dezembro de 2016.
Mais dramático é notar que em julho começava a se delinear uma chance de “alcançar o nirvana”, na visão de fontes da área econômica. O paraíso que estava ao alcance das mãos, segundo essa ótica, era poder enxergar seis a oito meses à frente e encontrar as condições objetivas para a queda da inflação e dos juros e imaginar que a política monetária viria, então, liderar a retomada do crescimento econômico.
O peso dos preços administrados, que sofreram um choque, cairia dos 15,2% este ano para 5,5% em 2016, o mercado colocava o corte da Selic em seus prognósticos para abril do próximo ano e as expectativas de inflação já estavam ancoradas para 2017 em diante. A de 2016, ano da convergência para a meta de 4,5%, havia chegado a 5,40% no fim de julho e subiu, na semana passada, para 5,64%.
Juro de 15% ao ano espelha temor do mercado Era possível esperar, portanto, queda dos juros e queda da inflação a partir de abril de 2016 e acreditar que a diminuição dos juros reais fosse transferida de imediato para a atividade econômica, evitando, assim, que 2016 fosse mais um ano de recessão.
O que se desenhava há dois meses e está se perdendo hoje era a possibilidade concreta de o processo de recuperação da economia ser comandado pela queda dos juros desde que as metas fiscais fossem suficientes e sustentáveis, avaliam autoridades do governo. O primeiro evento que começou a mudar o jogo para o BC foi a redução da meta de superávit primário de 1,1% do PIB para 0,15% do PIB este ano e, também, o corte das metas para os anos seguintes.
O segundo foi o envio do orçamento de 2016 com déficit de 0,5% do PIB para o Congresso Nacional. E o terceiro foi resultado dos dois primeiros, que levaram o país a perder o grau de investimento da dívida soberana pela agência Standard & Poor’s. Esses desacertos custaram, até agora, pouco mais de dois pontos percentuais na curva de juros. Segundo explicou o presidente do BC, Alexandre Tombini, aos senadores esta semana, mesmo depois de o Comitê de Política Monetária (Copom) ter parado de elevar a Selic, em 30 de julho, a taxa longa de juros subiu por causa das incertezas no quadro fiscal.
“Os custos de financiamento do Tesouro subiram sem que o BC subisse os juros”, disse ele, argumentado que, se por hipótese o BC baixasse a taxa básica para 7% ao ano, os custos de financiamento do Tesouro disparariam. O Tesouro Nacional se financia sobretudo na curva de juros. Os juros foram para o patamar de 15% ao ano (ver gráfico abaixo) como expressão do medo do mercado, que passou a cobrar prêmio de risco em tudo.
Medo que é alimentado pelo desconhecimento sobre qual o regime fiscal no Brasil. “Alguém sabe?”, indagou um técnico oficial especialista em política monetária.
Sem uma resposta clara a essa simples pergunta é impossível conhecer a trajetória da dívida pública como proporção do PIB. Sem ter tal noção entrase num terreno perigoso onde o limite é a incapacidade do Tesouro Nacional de honrar os seus compromissos.
Isso sem considerar que uma crise fiscal no país se transformaria rapidamente em uma crise cambial, na medida que estimularia a fuga de capitais. É bom lembrar que cerca de 18% da dívida interna está em mãos de investidores estrangeiros. Juros “flat” de 15% ao ano para tudo, como mostra o gráfico abaixo, é taxa de “default”.
A confusão na área fiscal com as idas e vindas do orçamento, as divergências na área econômica e o permanente flerte do Palácio do Planalto com saídas mais fáceis e provisórias comprometeu a capacidade da autoridade monetária de conduzir a estrutura a termo da taxa de juros pelo uso da comunicação do BC.
Sem parâmetros, os preços dos ativos vão às alturas. Essa não foi a primeira vez que o “imbroglio” fiscal do governo matou as esperanças da área econômica de derrubar a inflação e poder reduzir os juros no país de forma sustentável. Em 2011 ocorreu algo semelhante. Nem tudo, porém, está perdido. Fontes qualificadas avaliam que ainda há tempo de consertar a questão fiscal e retomar o cenário que se delineava em julho.
Caso contrário, o governo pode “morrer na praia”. Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação e escreve às sextasfeiras Email: claudia.safatle@valor.com.br
Fonte: Valor